quinta-feira, 5 de maio de 2011

Cópia Fiel Nega o Plágio à Vida

Nossos tempos são marcados por um relativismo atroz. Esta é uma constatação que possibilitaria uma vastidão de reflexões o que não parece ser o caso neste artigo. Apenas gostaria de extrair desta visão o fato de que tal relativismo nos leva a uma negação em pensar e refletir sobre a realidade vivente, aparente ou não. Há a passividade da razão. No âmbito subjetivo ainda nos defrontamos com a noção de que a ausência de passividade nos leva à perda da leveza. Escolhemos a passividade para cairmos no caminho do leviano.
Abbas Kiarostami, o diretor e roteirista do filme Cópia Fiel (Irã/Itália/França,2010, com Juliette Binoche e William Shimell) conseguiu elaborar uma obra que se aprofunda no tema a que se propõe projetar ao público e, ao mesmo tempo, utiliza-se de todas as (boas) artimanhas estéticas que o cinema possibilita no caso para criar uma obra bela e leve. Sobra coragem estética e escrita ao diretor iraniano que já dirigiu Shirin (2002) Dez (2008).
A estória transcorre a partir de uma conferência de um escritor (James Miller) na Itália por ocasião de sua premiação em função de um novo livro. Ali aparece a personagem de Juliette Binoche (Elle) com a qual o escritor se encontra no atellier dela no dia seguinte. A partir dái vem um desenrrolar plano-sequência com um diálogo em três línguas e que dura cerca de hora e meia. O espectador fica constantemente na dúvida sobre o grau de conhecimento mútuo dos personagens que dialogam como se estivessem a discutir muito mais que a própria relação.
Queixumes, reflexões e pequenas ironias saem da boca de cada um deles e propiciam um desfilar de possibilidades de reflexões sobre a vivência humana. A câmera vai e vem e os atores não podem sair dali. Eles tem de enfrentar com coragem a arte de rir, chorar, conversar, observar, dando vida ao excelente roteiro do iraniano. A coisa é prá valer. Tem de haver arte nos artistas.
Confesso que é difícil assistir o filme na medida em que a platéia facilmente pode começar a se remexer nas poltronas, não propriamente inquietos em relação ao filme-itinerário de Abbas Kiarostami , mas como se estivessem incomodados com os próprio preconceitos negativos: afinal por que deveríamos sair de nossa própria passividade? Ao fundo do cinema pode soar um "porre!" o que não é propriamente um elogio ao filme, mas de certa forma traduz o que é a vida do incomodato espectador.
Mais difícil ainda é fugir de duas ciladas. A primeira é a beleza artísitca (e pessoal) de Juliette Binoche. A francesa é simplesmente um espetáculo. Dá um show de interpretação que ilumina a já iluminada sequência de cenas. Verdade seja dita: "gosto não se discute", mas isso é apenas uma pequena verdade ou uma meia e vazia verdade. Somente quem quer ficar parado pode pensar assim. Juliette Binoche consegue mexer com quem quer dar uma "viajada" e pensar com leveza e seriedade sobre a vida.Seus dentes e pele branca são uma bela inspiração para a mente. O resto é para os olhos de quem ama as mulheres belas e geniais.
Na companhia de Binoche temos o barítono William Shimell que não fica pequeno perante Binoche por uma única razão: o cantor erudito sabe se aproveitar do roteiro e se enquadra perfeitamente. O resto ele deixa para a câmera. Não é nada mal ser fotografado ao lado de Binoche.
A segunda cilada infalível e positiva do filme é a lindíssima região da Toscana. Se se pode falar de beleza a Toscana é o belo. O renascimento italiano vívido e saboroso. O desfile dos personagens pela belíssima localidade de Lucignano é simplesmente tentadora, Dá vontade de pegar pela mão aqueles que amamos e ir conversar por entre aquelas vielas e piazzas. A luz (apostaria que da primavera) contribui para que os nossos olhos oscilem entre a beleza de Juliette e os contornos de seu corpo, no caso as imagens da Toscana.
Não vou contar aqui o significado do título do filme, mesmo porque este não é um segredo do tipo Hitchcock. Ao contrário, há algo de banal nele. Todavia, como o filme é uma provocação existencial, Cópia Infiel acaba por se tornar uma construção em cada mente que vê o filme. Dá até uma saudade de ver algo nouvelle vague ou, até mesmo, voltar aos velhos filmes de Frank Capra e John Ford. Passando por Orson Welles.
No fundo dá um certo medo de recomendar os filmes para os amigos. E se eles vão e acabam enfadados por tantas palavras? Bem, viver é perigoso. Ir a um filme, nem tanto. Ainda mais, quando vemos que o título dele sugere um plágio que não existe. O plágio, infiel e inquietante, está dentro de cada um de nós que assiste à Cópia Fiel.