quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Elles: Os Fantasmas Também Se Enganam

Na sua magnífica obra O Fantasma de Canterville de Oscar Wilde há uma passagem em que o fantasma se vê surpreendido com um cartaz nas mãos que narrava estas "horríveis palavras": " O Fantasma Otis, o único verdadeiro e original espantalho. Cuidado com as imitações, todos os outros são falsificados." Trata o evento de uma enganação, derrota, um acontecimento que leva a ludibriação . Até mesmo os fantasmas não escapam a este tipo de acontecimento.
O filme Elles (Alemanha/França/Polônia, dirigido por Malgorzata Szumowska, com Juliette Binoche, Anaïs Demoustier, Joanna Kulig, Louis-Do de Lencquesaing, Krystyna Janda,
Andrzej Chyra, Ali Marhyar) narra, no melhor estilo do cinema francês, a estória de uma jornalista de uma revista feminina empenhada em escrever um artigo sobre jovens universitárias que ganham a vida se prostituindo. Desta forma, a jornalista de meia idade acaba por interagir com as prostitutas, contando a suas experiências e, por detrás destas, acaba por descobrir os seus próprios e mais profundos sentimentos.
A tarefa da jornalista não lhe é neutra. Toda aquela realidade acaba por recair sobre a vida comum, ordinária e pouco transversal da jornalista. Não se pode ser imune à própria vida e, tal qual o Fantasma de Wilde, as falsificações não podem ser escondidas sob o tapete e as imitações podem ser evidentes, mas não obscurecem de todo a própria realidade.
A jornalista vê-se desnudada por completo. O que as universitárias fazem entre as quatro paredes nada mais é que a ilustração (ou imitação) da própria vida dela em distintos e assombrosos sentidos. Pouco importa que a narrativa trate das fantasias sexuais dos clientes, satisfeitas com perfeição pelas prostitutas. O roteiro é competentemente utilizado pela diretora do filme para se tornar uma especie de imitação da própria vida rotineira (e caseira) da jornalista. Não à toa, a fascinação com a história de cada uma, vai se tornando uma tortura crescente quando a jornalista reconhece a farsa de seu casamento, das relações familiares, das exigências da vida doméstica, das preocupações com os estudos do filho mais velho que insiste em transgredir e da absorção total do filho pequeno por um vídeo-jogo.
Notável no filme, o contínuo e crescente vazio que se vai despejando pela personagem de Binoche. Ao fim, a percepção, metafórica e real de que os clientes daquelas jovens estudantes, não passam dos homens comuns que rodeiam a vida dela e de sua família.
Tudo no filme parece ajustado para produzir a angústia da jornalista e, por conseguinte, daqueles que assistem as cenas. Tem-se de ter cuidado para não se verificar que muita coisa de nosso mundo é falsificado, assim como na cena do fantasma de Wilde.
Juliette Binoche dá outro show de interpretação. Sua beleza não é essencialmente plástica. É um conjunto que soma a própria artista e a sua obra que exercita com o corpo e com a alma. Um prêmio para os amantes do cinema. Da mesma forma, as jovens atrizes que cumprem o papel de prostituta conseguem engendrar cenas de sexo cheias de erotismo (pago e ambicionado pelos clientes) com a dureza e a doçura que brota de suas palavras.
A direção da jovem diretora Malgorzata Szumowska (39 anos) é impressionantemente segura. Ela faz jus a tradição do (excelente) cinema polonês, bem como consegue construir um ambiente tipicamente teatral dentro de uma perspectiva cinematográfica. Não é tarefa fácil transitar entre estes dois mundos da arte. Para Szumowska parece simples.
Eis um filme recomendado para quem deseja sair da zona de conforto. Curtir um filme e sair um pouco inquieto com os nossos fantasmas. Logo eles que também podem ser ludibriados como nos ensina Oscar Wilde.