sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Mussolini de Pierre Milza

Em tempo de internet, "nuvens", twitter, facebook e outras "ferramentas intergalácticas" ainda é um imenso prazer percorrer as ruas das grandes cidades europeias e verificar que as "jurássicas" livrarias ainda tem muitos apreciadores. As prateleiras estão lotadas de livros fantásticos, bem como de verdadeiro lixo cultural. Umberto Eco, o grande intelectual italiano, em artigo recente no Corriere della Siera observou com grande propriedade que "a internet é um perigo para quem não tem conhecimento e uma ferramenta extremamente útil para quem o tem." De fato nunca se produziu tanta informação e relativamente tão pouco conhecimento.
O livro Mussolini (487 páginas) escrito por Pierre Milza e traduzido para o português pelo General Gleuber Vieira e pela tradutora Alessandra Bonrruquer e publicado pela Nova Fronteira em 2011 é um livro espetacular. Trata-se de uma biografia política do ditador italiano e que traz luzes fundamentais sobre a formação do Estado Fascista a partir dos anos 20 até a sua completa derrocada em 1945. Neste livro sobra conhecimento, somado a uma gama extraordinária de informações. Exatamente como imagina Eco ser o ideal no mundo de hoje.
O fascismo foi um fenômeno bastante diverso do Nazismo alemão, apesar de suas semelhanças fundamentais (ditadura, centralização do poder e associação com a burguesia nacional) terem contribuído para que o senso comum os igualasse milimetricamente. Este livro de Milza tem o mérito de analisar detidamente a construção do fascismo na Itália e, desta forma, diferenciá-lo do que aconteceu na Alemanha, sobretudo após a chegada de Adolf Hitler ao poder em 1933. Note-se que quando o Hitler ascendeu ao poder, Mussolini já estava liderando a Itália há dez anos. Aliás Hitler o admirava muito em função de sua liderança.
Pierra Milza, além de ter investigado política e sociologicamente a formação, ascensão, consolidação e derrocada do fascismo por meio de uma vasta literatura acadêmica que está relacionada ao final do livro, teve acesso a todo o arquivo particular do ditador italiano (Segreteria particulare del Duce). Desta forma, o personagem político apresentado se completa com feições pessoais que alicerçam a visão sobre o ser e o animal político complexo que Mussolini era.
O mais interessante do livro a meu ver é a descrição da opção de Mussolini entre a Alemanha nazista e os aliados (inicialmente comandados exclusivamente pela Inglaterra de Churchill) quando da Segunda Guerra Mundial. O livro deixa evidente que esta não foi uma opção óbvia como as aparências podem nos levar a crer. Ao contrário, Mussolini tinha uma visão geopolítica bem elaborada no papel, mas impossível do ponto de vista da sustentação militar - as forças armadas italianas não estavam à altura do projeto do ditador. Neste contexto, o Duce tentou de muitas formas negociar as suas ambições de ser o "Rei do Mediterrâneo", seja com Hitler, seja com os aliados. Ademais, contava com sincera simpatia de Churchill e de Roosevelt, que o consideravam uma espécie de pacificador político e social, uma terceira via, em meio aos conflitos entre as velhas idéias do liberalismo dos séculos anteriores e o bolchevismo que se espalhava pelo Velho Continente. Outro aspecto interessante é que Mussolini desconfiava por demasiado das teoria raciais de Hitler e temia que os italianos fossem considerados "raça inferior" pelos nazistas "arianos". Não bastasse esta desconfiança, uma de suas três principais amantes (elas foram muitas), Margherita Sarfatti, era judia e foi a única delas capaz de influenciá-lo de forma mais decisiva. Nada mais paradoxal.
Se o Mussolini real foi uma figura do qual poucos tem saudade (felizmente), o Mussolini que surge do livro de Milza é fascinante e inquietador. Entender a Itália de então é jorrar informações e conhecimento sobre a formação do Estado Italiano Moderno. Neste sentido, a "descontinuidade" do fascismo proporcionada pela II Guerra Mundial não retirou da história os efeitos dramáticos que o fascismo trouxe para as sociedades europeias, em geral, e italiana em particular. Além disso, as lições políticas construídas há 90 anos (quando Mussolini assumiu o poder) me parecem suficientemente relevantes para estes tempos em que a Europa insiste em colocar em perspectiva muitos dos fatores que permitiram os nefastos efeitos do fascismo sobre a democracia, a liberdade e a justiça. Leiam Mussolini de Pierre Milza.

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