sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011
Maria Schneider e o Seu Último Tango
Infelizmente O Último Tango em Paris, filme do italiano Bernardo Bertolucci sempre é comentado a partir de uma cena pouco relevante, embora marcante, aquela da penetração anal de Paul em Jeanne com o auxílio de uma providência boba, no caso, a lubrificação do ato libidinoso com manteiga. Pois bem: foi desta (desnecessária) cena que se espraiaram os dissabores maiores em relação à obra de Bertolucci. Da censura à vulgar baixaria dos comentários, como se tudo fosse papo de botequim.
O mais importante dissabor do filme foi o trágico destino que seguiu a carreira de Maria Schneider, a atriz que interpretou com talento o papel de Jeanne no filme. A manteiga foi usada para fritá-la em fogo alto e longo. Desde O Último Tango em Paris nenhum papel relevante foi entregue para a interpretação da atriz francesa. Os melhores convites para filmar eram para, digamos, "fazer ginástica" em filmes pornôs, aqueles quase ginecológicos. Tudo por causa dos assombros preconceituosos saídos de todos os poros, inclusive dos críticos de cinema, desde 1972 quando o filme foi rodado e lançado. Contou certa feita Maria Schneider que dentre os poucos telefonemas que recebia de artistas e diretores, um dos mais reconfortantes era do próprio Marlon Brando, seu companheiro ator n´O Último Tango. Logo Brando, quem destestava o filme de Bertolucci e com quem rompeu por quase vinte anos - Bernardo Bertolucci e Brando só voltaram a conversar em 1993.
O Último Tango em Paris é um filme esplendoroso, muito embora esta seja uma opinião largamente minoritária em meio aos cinéfilos e críticos. A meu ver, este filme projeta uma angústia existencial sobre a dialética da vida e da morte de um modo poético e perfeitamente compreensível, seja do ponto de vista cenográfico, seja do ponto de vista do roteiro. Tudo isto regado a uma trilha brilhante, escrita e interpretada pelo músico argentino Gato Barbieri (1934 - ). As imagens de Maria Schneider e Marlon Brando são especialíssimas, escolhidas como uma obra renascentista que, ao mesmo tempo, esconde e revela a idéia central. Sobram sentimentos de amor e desespero, tortura e esperança, desespero e luz, vida e morte.
Não sei se a vida imita a arte ou vice-versa. Apenas sei que há coisas que andam certo na escuridão, até sob a luz de apenas um vagalume. Há outras que, uma vez iluminadas pela intensa luz do verão, sucumbem como se aquela luz viesse da chama firme e alta do inferno. Maria Schneider, atriz que será esquecida dada a sua irrelevância para o cinema, conheceu o inferno desde O Último Tango. A notícia de sua morte em 3 de fevereiro passado, aos 59 anos, ressucitou em mim uma certa raiva em relação ao preconceito do qual Maria foi vítima. Naqueles loucos e deselegantes anos 70, a droga campeava os ambientes "modernos", fazia-se amor ao ar livre, os seios das mulheres despencavam em praça pública, os homens usavam roupas horrorosas e os intelectuais tragavam o marxismo como se cigarro fosse. Ora, ora! Os comentários sobre "a manteiga de Marlon", foram longe demais.
Nos obituários de sua morte há pouquíssimos comentários relevantes, afinal o que haveria a comentar? Todavia, na lápide de seu túmulo, caso exista, em não hesitaria de pregar um epitáfio como este: "Aqui repousa Maria. Uma mulher que o preconceito tragou."
O Último Tango em Paris foi realmente o último de Maria Schneider. Tiraram-lhe a chance como se fosse um sopro rápido do saxofone tenor de Gato Barbieri: melancólico, mesmo que belo.
Para Maria dedico-lhe uma quadra do poeta romântico francês Alfred du Musset (1810-1857), denominado Tristeza:
Eu perdi a minha vida e o alento
E os amigos e a intrepidez,
E até mesmo aquela altivez
Que me fez crer em meu talento.
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