segunda-feira, 18 de julho de 2011

Tia Julia e o Escrivinhador: Além de Uma Sugestão de Leitura

Ensina-nos o crítico norte-americano Harold Bloom, um dos maiores especialistas em Shakespeare na atualidade, que "não existe apenas um modo de ler bem, mas existe uma razão precípua por que ler. Nos dias de hoje a informação é facilmente encontrada, mas onde está a sabedoria?" De fato, a sabedoria persiste como pedra rara em terra desconhecida. A literatura e a sua prática, a leitura, não é uma forma sistemática de nos informarmos e, de forma geral, sequer é uma forma de adquirir educação formal. Possivelmente, esteja mais relacionada ao prazer de uma relação consigo mesmo a partir do livro em frente aos olhos. Que os mestres das escolas não nos ouçam...
Tia Julia e o Escrevinhador do peruano Mario Vargas Llosa (1977,  La Tía Julia y el Escribidor, Editora Objetiva, 2007 Tradução de José Rubens Siqueira) é daqueles livros que nos divertem, causa entretenimento, faz pensar e imaginar. Reconheço que, desde quando inciei, há poucos anos, a leitura deste magnífico escritor, tenho certa facilidade em aceitá-lo mais facilmente na minha mesa de cabeceira de cama ou na minha mala de viagem. Seu repertório imaginativo e sua forma de causar furor, alegria, tristeza, amor e desamor, me jogam na satisfação desta variedade de percepções e sentimentos.
Há muito de autobiográfico neste romance, muito além da irremediável ligação entre a alma (e a história) do autor e a obra que produz. Varguitas, o personagem principal, é um mancebo de dezoito anos vivendo na Lima dos anos 1950. Trabalha como jornalista numa rádio local e cursa (insatisfeito!) Direito. Sonha diuturnamente em ser um escritor e, tentativamente, vai rascunhando contos e mais alguns contos. Se defronta no transcorrer dos primeiros capítulos com Pedro Camacho, um autor de novelas transmitidas pela rádio na qual trabalha Varguitas. Camacho consegue por meio dos capítulos diários de suas novelas atrair enorme multidão de admiradores. Ele sabe somar tensão ficcional dos fatos contados à forma literária e, assim, desperta a mente da audiência. Camacho é estranho, como deve ser a literatura: cheio de manias, apegado à reclusão pessoal e afeito ao perfeccionismo na forma e conteúdo da escrita. Ele é a "sombra" a encantar e, de muitas formas, atrapalhar as tentativas de Varguitas de ser um escritor.
Em meio ao relacionamento de Varguitas com o "colega" Camacho, surge na vida do jovem, Júlia, sua tia. Ela tem o dobro da idade de Varguitas, divorciada (na Bolívia) e Lima é o seu refúgio pessoal da vida anterior. Deste relacionamento, Vargas extrai do personagem muito vigor juvenil, desprovido da estreita racionalidade que os anos vão dando às pessoas que envelhecem, somado a uma afetividade traiçoeira e apaixonada. Vai-se lá boa parte do livro nos capítulos "verdadeiros" do livro - Mario Vargas Llosa intercala capítulos que contam o relacionamento de Varguitas e Tia Julia com outros com as estórias fantásticas de Camacho.
É exatamente esta multiplicidade de imagens e sensações expelidas das páginas do romance que constitui o sabor literário de Tia Julia e o Escrevinhador. Não há nada de monolítico ou "fechado" nos personagens, o que permite ao leitor um deslizar da imaginação diante da própria ironia (conjunta e específica) contida nos capítulos.
Já disse em outros posts anteriores que literatura é estranhamento. Para isso é preciso, ritmo e doses de outros tantos ingredientes que tornem um romance algo de valor sem o simulacro das "explicações acadêmicas" das obras literárias. Estranhamento nada mais é do que a sensação de que há algo escondido naquele romance que não sabemos o que é, mas que nos  draga e permite que nós nos coloquemos como se personagens fôssemos - esta é, aliás, a maior ironia da literatura. Pois é tudo isso que sentimos na leitura de Vargas Llosa. Uma lição elegante de como escrever um livro, sem a pretensão de ser Cervantes ou Faulkner, mas com um resultado que alegra e nos faz partir para o próximo livro com a sensação de que podemos ler mais quando o mundo nos convida a assistir, mesmo quando escrevemos. 


quarta-feira, 13 de julho de 2011

"Minhas Tardes com Margueritte": o Encontro e a Doçura

Ensina-nos, com farta argumentação, o filósofo francês André Comte-Sponville (1952-     ) que a generosidade se diferencia da solidariedade na medida em que esta última resulta de alguma modalidade de confluência de interesses, mesmo que elevados, enquanto a generosidade se reveste de gratuidade. O filósofo, ensaísta e historiador escocês David Hume (1711-1776), o maior precursor do utilitarismo, embora tenha elaborado toda lógica do comportamento humano sob a ótica da causalidade ("tudo se origina a partir de uma causa"), é  considerado um sentimentalista moral e, como tal, achava que princípios morais não podem ser justificados intelectualmente.
Esta "somatória" filosófica da gratuidade da generosidade e da não intelectualização dos princípios morais é lição que sobre nós se derrama quando assistimos ao filme Minhas Tardes com Margueritte (La tête en friche, 2010, França, dirigido por Jean Becker , com Gérard Depardieu e Gisèle Casadesus), baseado no livro de Marie-Sabine Roger.
A história é de uma singeleza marcante: Germain (Depardieu) é uma quase analfabeto, meio campônio, sonhador e, ao mesmo tempo, pragmático, que inusitadamente passa a interagir com Margueritte (Sasadesus), uma senhora de idade avançada que sentada às tardes na praça de uma pequena cidade do interior da França, vive a ler como forma de preencher o poente de sua vida. Ali, naquela praça, há um encontro de almas generosas: de um lado a senhora que muito pode e conhece, mas que o tempo lhe retira os horizontes; de outro, um semi-analfabeto que ao ler livros com aquela senhora se encontra com seu passado angustiante - desde a infância era chamado de burro e hostilizado pelos seus pares. Ambos tem possibilidades, mas também severos limites. Ambos tem identidades, mas também tem largas diferenças. É preciso escolher. E eles escolhem um ao outro. Gratuitamente e sem maiores ilações, desprovidos de lógicas mundanas e cheios de amor. Eis a simplicidade tão complexa de se alcançar.
Não são poucas as pessoas que chegam às lágrimas com o transcurso do filme. Ao sair da sala, vê-se muitos correndo aos lenços que socorrem os olhos chorosos. Pode parecer que o filme é triste. Não é. Ao contrário, ele soa entre a boa repartição da alegria de podermos nos encontrar com a porta de saída da angústia de viver e a risada da brilhante interpretação de Depardieu. Ele realmente se torna o personagem e não é apenas um travesti cinematográfico. Ora, em sendo assim, fico a pensar de onde viriam aquelas lágrimas. Bem, tudo é uma enorme especulação. Aí vai a minha: a máquina do mundo nos retirou o que há de mais doce em nossa vida. Tornamo-nos duros e impacientes com o outro. O filme nos mostra que a doçura não é viela ínvia, é possibilidade concreta. Nada mais irresistível para o nosso coração duro.
Finalmente, uma advertência: alguns críticos pregaram na mídia que o filme é piegas. Nada mais fácil naqueles que gostam de ver a arte, em geral, e o cinema, em particular, como expressão da virilidade intelectual e moral de um mundo despedaçado por ideologias, interesses e diferenças. Daqueles que tecem ideias como se guerra fosse esquecendo-se que viver bem e docemente é mais importante que o próprio pensar. Já nos ensinou Buda, Cristo e Gandhi, aguerridos que foram na sua mansidão e doçura. Este não é um filme para os tapetes vermelhos dos festivais de cinema badalados. É o caminho da roça para os transeuntes que adentram ao campo para se perder e se encontrar consigo mesmo. Como nos versos de Rainer Maria Rilke, no poema "O Homem que Lê":
"E quando agora levantar os olhos deste livro, 
nada será estranho, tudo grande.
Aí fora existe o que vivo dentro de mim
e aqui e mais além nada tem fronteiras;
apenas me entreteço mais ainda com ele
quando o meu olhar se adapta às coisas
e à grave simplicidade das multidões, —
então a terra cresce acima de si mesma.
E parece que abarca todo o céu:
a primeira estrela é como a última casa
."


quinta-feira, 7 de julho de 2011

Woody Allen: Paris é Uma Festa

Ernest Hemingway em The Sun Also Rises (O Sol Também se Levanta), publicado em 1927 (em Portugal, sob o nome de Fiesta) conta, com forma e conteúdo magníficos, a boemia e o estado de espírito dos norte-americanos que se encontravam em Paris durante os anos 20 do século passado. Este período foi do ponto de vista artístico, sobretudo para as artes plásticas e a literatura, um tempo de criação marcado pela excepcional qualidade da técnica literária, bem como pela marcada reflexão sobre o niilismo que imperava nos anos entre as duas grandes guerras mundiais. Eu me arriscaria a dizer que foi neste tempo e ali, em Paris, que se formulou toda a percepção temática e linguística do restante do século para a grande literatura universal.
Em The Sun Also Rises, o principal personagem Jacob Barnes, ilustra a frivolidade e os conflitos existenciais (ou ausência destes) daquela geração. Brett Ashley, a paixão de Barnes, é o meio pelo qual Hemingway faz a sua excepcional reflexão romanciada.
Para se ter uma noção da importância literária dos anos 20 em Paris, F. Scott Fitzgerald, Gertrude Stein, Ezra Pound e T.S. Eliot foram diretamente os protagonistas desta reviravolta. Além da influência indireta destes sobre Robert Frost, William Faulkner e Eugene O´Neill. A criação anarquista, já marcada pelo freudismo e pelo vazio existencial também se propaga a partir de Paris dos "anos loucos" e alcança toda a geração beatnik (Jack Kerouac, Allen Ginsberg, John Clellon Holmes). Como se vê, tempos férteis na literatura e, a partir dela, em toda a arte do século XX.
Escrevi tudo isso para dizer que o roteiro de Woody Allen para Meia Noite em Paris (Midnight in Paris, EUA, 2011, dirigido pelo próprio Woody Allen com Owen Wilson, Rachel McAdams, Kurt Fuller, Kathy Bates e Mimi Kennedy) já estava escrito quando ele pôs-se a escrever os diálogos deste delicioso filme. A idéia do roteiro, portanto, não alcança a gramatura de um plágio porquanto Allen emborca o seu barco criativo por meio de uma estória bem construída com o claro objetivo cinematográfico. Ora, isso tem méritos, ainda mais quando ele acrescenta velada e, ao mesmo tempo, sutil crítica ao modus operandi do pensar moderno, especialmente o norte-americano. Em certo momento do filme a inserção dos comentários sobre o Tea Party e o besteirol dos republicanos alinhados com George Bush chega ao limite da tragicomédia.
Se o roteiro é uma feliz garimpagem e mineração do que há de melhor naqueles anos 20, o comportamento da câmera de Allen é condizente com a sua proposta. Ele abandona aqueles traçados e movimentos bestas que costuma fazer em seus piores filmes e se rende a fixação pura e simples das imagens e dos atores. Fica fácil quando ao fundo temos Paris e a beleza mágica de Rachel McAdams e, de relance, a primeira-dama francesa Carla Bruni. Allen explora os melhores detalhes e, assim, chega a essência daquilo que chamaríamos de um belo filme. Esperto este Woody, não é mesmo?
O desfile de diálogos inteligentes e de personagens como Fitzgerald, Stein, Picasso, Buñel, Duchamps, Dali, Hemingway, Eliot e tantos outros (incluídos os da Belle Époque e Art Nouveau, Toulouse-Lautrec e Renoir) é um festival de beleza e aprendizado. É fato que muitos expectadores, mundo afora (incluídos os do "primeiro mundo") se angustiam quando não conhecem todos os personagens, mas arte que vale a pena é aquela que nivela pelo alto, sem a grosseria e falta de consistência e beleza que impera pelas galerias, livrarias e outros recantos pretensamente "artisticos" ao redor deste sofrido globo.
Certa parte da crítica de cinema costuma atribuir a Woody Allen uma genialidade que, a meu ver, ele não possui. Meia Noite em Paris tem o mérito de apagar um pouco as chatices que ele espalhou na sua vasta obra, tais quais, Você Vai Conhecer o Homem dos Seus Sonhos, O Sonho de Cassandra e Igual a Tudo na Vida, e fazer com que Woody Allen voltasse aos seus bons filmes.
A trilha musical é sempre o bocado precioso, charmoso, delirante dos filmes do diretor. A sua seleção é especial. No caso de Meia Noite em Paris a combinação da estética parisiense  -sobretudo, nos arredores de Montmartre - com a trilha é perfeita. Além disso, Paris, chuvosa ou ensolarada, agora e nos anos 20, sempre é um refúgio que permite que a face etílica dos seres possa se somar a musicalidade interior ao mistério clássico da Cidade das Luzes. Nos anos 20, em meio à lei seca do outro lado do Atlântico, muitos artistas americanos puderam mergulhar em bebedeiras homéricas que lhes permitia o refúgio do ambiente vitoriano e puritano da América. Para os músicos, as bebedeiras soavam como música. É o caso de Cole Porter, Louis Armstrong, Duke Ellington, Josephine Baker, dentre tantos geniais intérpretes. A trilha musical de Woody Allen também se reveste desta ambientação. Escutar as composições dispostas ao longo do filme é uma delícia, muita estrada além das doceiras e cafés da Rive Gauche daqueles anos 20, com as mulheres sensuais, com seus seios pequenos, os olhos escondidos pelos cloches,  - aqueles pequenos chapéus que caiam à altura dos olhos - as pernas parcialmente jogadas ao vento em meio aos vestidos cada vez mais curtos e os seus cabelos a la garçonne escasseados pelas tesouras dos salões de beleza cheios de fumaça de cigarros. Tudo além do lindo, sem o câncer destes dias atuais e sem a tuberculose, o mal du siècle dos séculos anteriores. 
Feliz de quem pode ver este filme do qual saímos cheios de felicidade, além das suas fronteiras aparentes e seus recheios cinéfilos. Como na abertura do belíssimo poema de T.S. Eliot, “A Canção de Amor de J. Alfred Prufrock" de 1915:
"Sigamos então, tu e eu,
Enquanto o poente no céu se estende
Como um paciente anestesiado sobre a mesa..."

quarta-feira, 6 de julho de 2011

Papo de Poeta com Francisco Petros

Amigos,

Fui entrevistado por um poetisa de valor, uma gaúcha de Rio Grande, Ana Cristina Matias, a alma de seu blog "A Solidão Nunca Está Sozinha" . Pessoa valorosa que promove a poesia em meio às águas turvas destes tempos de descrença. Luz, alegria e fulgor.
Gostaria de compartilhar os amigos o link de minha entrevista.
Beijos a todos!
Estive entre muitas viagens e trabalho. Volto com tudo!

Eis o Link:

http://anacpm.blogspot.com/