quarta-feira, 13 de julho de 2011

"Minhas Tardes com Margueritte": o Encontro e a Doçura

Ensina-nos, com farta argumentação, o filósofo francês André Comte-Sponville (1952-     ) que a generosidade se diferencia da solidariedade na medida em que esta última resulta de alguma modalidade de confluência de interesses, mesmo que elevados, enquanto a generosidade se reveste de gratuidade. O filósofo, ensaísta e historiador escocês David Hume (1711-1776), o maior precursor do utilitarismo, embora tenha elaborado toda lógica do comportamento humano sob a ótica da causalidade ("tudo se origina a partir de uma causa"), é  considerado um sentimentalista moral e, como tal, achava que princípios morais não podem ser justificados intelectualmente.
Esta "somatória" filosófica da gratuidade da generosidade e da não intelectualização dos princípios morais é lição que sobre nós se derrama quando assistimos ao filme Minhas Tardes com Margueritte (La tête en friche, 2010, França, dirigido por Jean Becker , com Gérard Depardieu e Gisèle Casadesus), baseado no livro de Marie-Sabine Roger.
A história é de uma singeleza marcante: Germain (Depardieu) é uma quase analfabeto, meio campônio, sonhador e, ao mesmo tempo, pragmático, que inusitadamente passa a interagir com Margueritte (Sasadesus), uma senhora de idade avançada que sentada às tardes na praça de uma pequena cidade do interior da França, vive a ler como forma de preencher o poente de sua vida. Ali, naquela praça, há um encontro de almas generosas: de um lado a senhora que muito pode e conhece, mas que o tempo lhe retira os horizontes; de outro, um semi-analfabeto que ao ler livros com aquela senhora se encontra com seu passado angustiante - desde a infância era chamado de burro e hostilizado pelos seus pares. Ambos tem possibilidades, mas também severos limites. Ambos tem identidades, mas também tem largas diferenças. É preciso escolher. E eles escolhem um ao outro. Gratuitamente e sem maiores ilações, desprovidos de lógicas mundanas e cheios de amor. Eis a simplicidade tão complexa de se alcançar.
Não são poucas as pessoas que chegam às lágrimas com o transcurso do filme. Ao sair da sala, vê-se muitos correndo aos lenços que socorrem os olhos chorosos. Pode parecer que o filme é triste. Não é. Ao contrário, ele soa entre a boa repartição da alegria de podermos nos encontrar com a porta de saída da angústia de viver e a risada da brilhante interpretação de Depardieu. Ele realmente se torna o personagem e não é apenas um travesti cinematográfico. Ora, em sendo assim, fico a pensar de onde viriam aquelas lágrimas. Bem, tudo é uma enorme especulação. Aí vai a minha: a máquina do mundo nos retirou o que há de mais doce em nossa vida. Tornamo-nos duros e impacientes com o outro. O filme nos mostra que a doçura não é viela ínvia, é possibilidade concreta. Nada mais irresistível para o nosso coração duro.
Finalmente, uma advertência: alguns críticos pregaram na mídia que o filme é piegas. Nada mais fácil naqueles que gostam de ver a arte, em geral, e o cinema, em particular, como expressão da virilidade intelectual e moral de um mundo despedaçado por ideologias, interesses e diferenças. Daqueles que tecem ideias como se guerra fosse esquecendo-se que viver bem e docemente é mais importante que o próprio pensar. Já nos ensinou Buda, Cristo e Gandhi, aguerridos que foram na sua mansidão e doçura. Este não é um filme para os tapetes vermelhos dos festivais de cinema badalados. É o caminho da roça para os transeuntes que adentram ao campo para se perder e se encontrar consigo mesmo. Como nos versos de Rainer Maria Rilke, no poema "O Homem que Lê":
"E quando agora levantar os olhos deste livro, 
nada será estranho, tudo grande.
Aí fora existe o que vivo dentro de mim
e aqui e mais além nada tem fronteiras;
apenas me entreteço mais ainda com ele
quando o meu olhar se adapta às coisas
e à grave simplicidade das multidões, —
então a terra cresce acima de si mesma.
E parece que abarca todo o céu:
a primeira estrela é como a última casa
."


Um comentário:

Rosangela disse...

Francisco: Já o conheço de tanto ouvir falar em vc!!
Adorei o texto e vou assitir este filme o mais breve possível!
Um grande abraço,
Rosangela Saraiva Pezolito ( Mãe da Marina e Tia do João Pedro).