Robert Doisneau (1912-1994) foi um dos maiores fotógrafos do século passado e com , Cartier-Bresson, Eugène Atget e André Kertész, suas maiores influências, retratou o cotidiano marcado pelas guerras, o gigantesco desenvolvimento econômico e a multiplicação das manifestações artísticas, especialmente na Europa. Deste ambiente de profundas transformações políticas e sociais Robert Doisneau soube captar vínculos especiais entre as cidades e os campos, entre os pequenos-burgueses e os trabalhadores, crianças e velhos, donas de casa e mulheres que ganhavam crescente participação na vida ocidental.
Assim como Cartier-Bresson, Doisneau foi um artista que se aproveitou da luz e das sombras com exemplar maestria. Muito embora suas fotos pareçam (e provavelmente sejam) "mais posadas" que a de Cartier-Bresson, a estética de ambos não merece reparos, muito embora Doisneau seja menos "comemorado" que seu colega francês. (A propósito, no próximo 14 de abril comemora-se os 100 anos de seu nascimento).
A exposição de 152 fotografias do mestre francês no Centro Cultural Justiça Federal no Rio de Janeiro é um acontecimento perfeito para que o público, leigo ou não, possa interagir com a arte deste maravilhoso retratista do século passado. A curadoria da exposição (a cargo de Agnès de Gouvion Saint-Cyr) conseguiu enquadrar, com oportunidade e talento, a visão, ao mesmo tempo, oportuna e romântica de Doisneau. Não é tarefa fácil como alguns poderiam simplificar.
Doisneau traduz por meio de registros cotidianos e, com evidente viés jornalístico, uma série de fronteiras que podem ser apreciadas em função da excelente organização da mostra do francês. Estas fronteiras saem da banal vivência dos transeuntes, dos pequenos agricultores, das moradias populares para a convivência entre o natural e o extraordinário, o excêntrico e o comum. Ademais, não é fácil fugir da obviedade de suas mais famosas fotos, estas quase todas aproveitadas pela cultura pop pós-II Guerra Mundial. A mais famosa Le baiser de l'hôtel de ville (O Beijo no Hotel de Ville) per se é uma marca registrada e fiel de sua obra, mesmo que tenha sido exageradamente "aproveitada" para fins de consumo de massa. Permito-me expor abaixo uma das minhas prediletas e que espelham com fidelidade o senso de oportunidade, humor, luz e poesia do fotógrafo francês.
É notório perceber que ao longo da exposição não há uma fotografia sequer que sugira ou induza o apreciador de sua obra a um pensamento elaborado, a uma ideologia delimitada ou a um modelo "bizarro" ou "contestador" de arte. O que se vê são fotografias marcadas por temas (crianças, jovens, Paris, os mercados e assim vai) que ressaltam uma profunda humanidade, simples e complexa, sem a necessidade de que o artista se envolva demais com o seu objeto a ponto de pretender transformá-lo na mente de quem vê a foto. Disto decorre a lindeza da exposição. Um detalhe importante: a iluminação da exposição do Rio sabe aproveitar e valorizar no limite a qualidade da obra deste fotógrafo que deixará suas marcas por muito tempo entre os amantes da fotografia. Vale visitar o Centro Cultural Justiça Federal no Rio.
Por fim, gostaria de deixar aos amigos deste blog um poema de outro fotógrafo francês famoso, amigo de Robert Doisneau: Jacques Prévert. Este poema juntamente com um belo café após a exposição carioca refresca a alma e faz a vida mais bela. Ainda mais para aqueles que acreditam no amor. É isso mesmo, o amor. De novo.
Café da Manhã
Pôs café
na xícara
Pôs leite
na xícara com café
Pôs açúcar
no café com leite
Com a colherzinha
mexeu
Bebeu o café com leite
E pôs a xícara no pires
Sem me falar
acendeu
um cigarro
Fez círculos
com a fumaça
Pôs as cinzas
no cinzeiro
Sem me falar
Sem me olhar
Levantou-se
Pôs
o chapéu na cabeça
Vestiu
a capa de chuva
porque chovia
E saiu
debaixo de chuva
Sem uma palavra
Sem me olhar
Quanto a mim pus
a cabeça entre as mãos
E chorei.
na xícara
Pôs leite
na xícara com café
Pôs açúcar
no café com leite
Com a colherzinha
mexeu
Bebeu o café com leite
E pôs a xícara no pires
Sem me falar
acendeu
um cigarro
Fez círculos
com a fumaça
Pôs as cinzas
no cinzeiro
Sem me falar
Sem me olhar
Levantou-se
Pôs
o chapéu na cabeça
Vestiu
a capa de chuva
porque chovia
E saiu
debaixo de chuva
Sem uma palavra
Sem me olhar
Quanto a mim pus
a cabeça entre as mãos
E chorei.