No final da minha meninice
e início da adolescência li com afinco e imenso prazer as crônicas de Carlos
Drummond de Andrade, Paulo Mendes Campos, Fernando Sabino e Rubem Braga. Ler
era uma espécie de descanso, nos poentes dos recheados de aulas e futebol. Por
entre as horas tudo soava eterno, como se a vida e o tempo fossem dissociados
por uma poesia entranhada por sentimentos puros.
De um modo geral, as
crônicas me levavam ao cotidiano não vivido e, assim, lançava-me ao imaginário
mais largo. O Rio de Janeiro, o Brasil, a praia e, sobretudo, os grandes
personagens sociais e políticos, os artistas e os escritores acabavam por
inundar o meu mundo tão distante de tudo aquilo. Creio que, observado da
cadeira do futuro, eu me fartava mais dessa aproximação cognitiva e emotiva com
algo que não vivia ou convivia - não era catarse literária.
Na juventude mais
avançada e agora na denominada “idade adulta” afastei-me da crônica e mergulhei
nos livros mais densos, nos romances e na poesia. Foi abandono sem rodeios ou
reflexões. Imagino que o afastamento da crônica se deu pela constatação de que
aquilo que via no cotidiano já preenchia as minhas especulações mentais. Meu
desinteresse ocorreu no momento em que, pouco a pouco, todos os cronistas que povoavam
a vida foram morrendo. Drummond em 1987, Mendes Campos em 1991, Rubem Braga em
1990 e, mais tarde, Sabino em 2004.
Recentemente ganhei uma
belíssima caixa, cujo conteúdo me revestiu de melancolia, saudades e certa
ansiedade. Refiro-me aos três livros de crônicas de Rubem Braga (1913-1990),
organizados por André Seffrin, Bernardo Buarque de Holanda e Carlos Didier, sob
o selo “Autêntica”. Trata-se de coleção recentemente lançada e cujos títulos
são “Os Moços Cantam”, “Os Segredos Todos de Djanira”, “Bilhete a Um Candidato”.
Tais crônicas foram
publicadas nos mais importantes jornais e revistas do país. São textos curtos e
versam sobre pessoas e fatos, na maioria conviventes de Braga e conhecidos do
público. Foi uma surpresa, da qual insistentemente procurei afastar.
A cada texto vi-me
tolhido do prazer da leitura. Muito se comenta sobre a tal “objetividade” dos
textos de Braga. Desta “objetividade”, contudo, não consegui retirar o extrato
literário que me dá o prazer ao percorrer linhas. Já tinha para mim que a
crônica não é propriamente um gênero literário quando se defronta com a
grandeza da poesia e do romance. Todavia, em Rubem Braga encontrei a barreira
que não consegui transpor.
Achei-o espinhoso,
cooptado pelos personagens e fatos que descreveu, hermético a ele mesmo, miúdo
nas observações, sem psicologia e insistente em provar que não recalcitra em sentimentos
e, inclusive, humor. Com o passar das páginas e o avanço nas datas de cada
crônica vi o meu ídolo da meninice e adolescência tomado por mais e mais
descompromisso literário e mais seguro de que o seu nome, per se, já consagrava a própria escrita. Não há em Braga aquela “estranheza”
necessária à literatura e também não via a tão decantada poesia quando se lê a
crítica e a reflexão sobre a obra do escritor capixaba. A própria ausência de
firulas linguísticas e a economia das palavras não se traduz em maiores avanços
no campo da perdição literária.
Naquela reunião de textos
restaria o jornalista, pensei eu. Todavia, achei-o ora laudatório, ora
subjetivo demais, propenso as digressões menos factuais e mais imaginárias, sem
a completude de poética. Ou seja, se como cronista me frustrou, como jornalista
não me conquistou. Triste mesmo.
Por fim, ao sentir toda a
escassez de meandros sintáticos que aguçassem o lirismo ou, sei lá, o riso,
notei que a tal objetividade de Braga acabava sempre em subjetivismo no qual
ele inexoravelmente se tornava personagem da estória que ele tentava contar de
forma especial. Pode-se dizer que há “leveza” no texto, mas a mensagem híbrida,
sempre contando com a presença do próprio escritor o que acaba por deixar a
sensação de aleatoriedade de sentimentos que não tem muito a ver com aquilo que
se lê, mas com o que o leitor especula por si mesmo.
Não encontrei em Rubem
Braga os meus tempos e idos, mas também não encontrei os faróis o cotidiano
agudo ou outra qualquer motivação mais especial. Ali, naquelas páginas,
constatei facilmente o modernismo das construções frasais e, de certa forma, a
própria linguagem. Todavia, se colocarmos Rubem Braga frente aos seus pares,
cronistas ou não, vê-se uma figura menor e, até mesmo, microscópica.
Saí daqueles três livros
com a sensação de que o presente de outrora era mais feliz. Tudo que li de
Braga no tempo em que o tempo não passava foi a generosa parcela que a vida me
deu daquele escritor capixaba. Por ora, senti que a falta de intensidade dos
livros que tão belamente reuniram as crônicas dele talvez sejam parte
integrante da vida que percorro, cética em meio às obviedades. A imbricação que
ainda não ser por onde começar a deslindar.