terça-feira, 18 de outubro de 2016

Rubem Braga, sem o afeto de outro tempo

No final da minha meninice e início da adolescência li com afinco e imenso prazer as crônicas de Carlos Drummond de Andrade, Paulo Mendes Campos, Fernando Sabino e Rubem Braga. Ler era uma espécie de descanso, nos poentes dos recheados de aulas e futebol. Por entre as horas tudo soava eterno, como se a vida e o tempo fossem dissociados por uma poesia entranhada por sentimentos puros.

De um modo geral, as crônicas me levavam ao cotidiano não vivido e, assim, lançava-me ao imaginário mais largo. O Rio de Janeiro, o Brasil, a praia e, sobretudo, os grandes personagens sociais e políticos, os artistas e os escritores acabavam por inundar o meu mundo tão distante de tudo aquilo. Creio que, observado da cadeira do futuro, eu me fartava mais dessa aproximação cognitiva e emotiva com algo que não vivia ou convivia - não era catarse literária.

Na juventude mais avançada e agora na denominada “idade adulta” afastei-me da crônica e mergulhei nos livros mais densos, nos romances e na poesia. Foi abandono sem rodeios ou reflexões. Imagino que o afastamento da crônica se deu pela constatação de que aquilo que via no cotidiano já preenchia as minhas especulações mentais. Meu desinteresse ocorreu no momento em que, pouco a pouco, todos os cronistas que povoavam a vida foram morrendo. Drummond em 1987, Mendes Campos em 1991, Rubem Braga em 1990 e, mais tarde, Sabino em 2004.

Recentemente ganhei uma belíssima caixa, cujo conteúdo me revestiu de melancolia, saudades e certa ansiedade. Refiro-me aos três livros de crônicas de Rubem Braga (1913-1990), organizados por André Seffrin, Bernardo Buarque de Holanda e Carlos Didier, sob o selo “Autêntica”. Trata-se de coleção recentemente lançada e cujos títulos são “Os Moços Cantam”, “Os Segredos Todos de Djanira”, “Bilhete a Um Candidato”.

Tais crônicas foram publicadas nos mais importantes jornais e revistas do país. São textos curtos e versam sobre pessoas e fatos, na maioria conviventes de Braga e conhecidos do público. Foi uma surpresa, da qual insistentemente procurei afastar.

A cada texto vi-me tolhido do prazer da leitura. Muito se comenta sobre a tal “objetividade” dos textos de Braga. Desta “objetividade”, contudo, não consegui retirar o extrato literário que me dá o prazer ao percorrer linhas. Já tinha para mim que a crônica não é propriamente um gênero literário quando se defronta com a grandeza da poesia e do romance. Todavia, em Rubem Braga encontrei a barreira que não consegui transpor.
Achei-o espinhoso, cooptado pelos personagens e fatos que descreveu, hermético a ele mesmo, miúdo nas observações, sem psicologia e insistente em provar que não recalcitra em sentimentos e, inclusive, humor. Com o passar das páginas e o avanço nas datas de cada crônica vi o meu ídolo da meninice e adolescência tomado por mais e mais descompromisso literário e mais seguro de que o seu nome, per se, já consagrava a própria escrita. Não há em Braga aquela “estranheza” necessária à literatura e também não via a tão decantada poesia quando se lê a crítica e a reflexão sobre a obra do escritor capixaba. A própria ausência de firulas linguísticas e a economia das palavras não se traduz em maiores avanços no campo da perdição literária.

Naquela reunião de textos restaria o jornalista, pensei eu. Todavia, achei-o ora laudatório, ora subjetivo demais, propenso as digressões menos factuais e mais imaginárias, sem a completude de poética. Ou seja, se como cronista me frustrou, como jornalista não me conquistou. Triste mesmo.

Por fim, ao sentir toda a escassez de meandros sintáticos que aguçassem o lirismo ou, sei lá, o riso, notei que a tal objetividade de Braga acabava sempre em subjetivismo no qual ele inexoravelmente se tornava personagem da estória que ele tentava contar de forma especial. Pode-se dizer que há “leveza” no texto, mas a mensagem híbrida, sempre contando com a presença do próprio escritor o que acaba por deixar a sensação de aleatoriedade de sentimentos que não tem muito a ver com aquilo que se lê, mas com o que o leitor especula por si mesmo.

Não encontrei em Rubem Braga os meus tempos e idos, mas também não encontrei os faróis o cotidiano agudo ou outra qualquer motivação mais especial. Ali, naquelas páginas, constatei facilmente o modernismo das construções frasais e, de certa forma, a própria linguagem. Todavia, se colocarmos Rubem Braga frente aos seus pares, cronistas ou não, vê-se uma figura menor e, até mesmo, microscópica.


Saí daqueles três livros com a sensação de que o presente de outrora era mais feliz. Tudo que li de Braga no tempo em que o tempo não passava foi a generosa parcela que a vida me deu daquele escritor capixaba. Por ora, senti que a falta de intensidade dos livros que tão belamente reuniram as crônicas dele talvez sejam parte integrante da vida que percorro, cética em meio às obviedades. A imbricação que ainda não ser por onde começar a deslindar.

terça-feira, 4 de outubro de 2016

Um pouco de poesia em meio ao tempo chuvoso

Verso Livre


Quando nasce um poema
De longe ele vem
De perto ele chega
Tão junto a mim
Tão longe do ser

Às regras não de entrega
Sua forma é não tê-las
Sentimentos não se perdem na rima
Fazem a rima!
Ilustram uma página do dia
Que na noite do pragmatismo não teria
Aquela palavra, aquele vocábulo não entendido,
Longe de certo ser, por certo é sentido

Quero te captar, poesia!
Como tu és, pura e límpida
Tão singela que faz da heresia
De não ser captada
Uma ameaça em vão

Minha boca, teu portão
Tua boca, o poeta!
Tão interado em ti
Tu em mim
Que quando te abro
Deliro na forma que não tens
Mas que sinto
Sentimos