O tempo e a andança dos homens por ele é uma dos temas mais complexos para as ciências e para a filosofia. Da reflexão mais metafísica possível até a mais científica, a temporalidade do homem e seus efeitos sobre ele, estão a desafiar desde os intelectuais até o mais comum dos homens. Dentre as várias facetas que o tempo impõe, a velhice e a morte ocupam especial lugar nas artes e no cinema.
Singelamente podemos especular que há aqueles que aceitam o tempo como uma espécie de linha lógica, onde a cada passagem pré-determinada (o dia, a noite, os meses e anos) se constitui uma etapa inescapável que precisa ser cumprida ou simplesmente por ela se passa. Na ponta final há a morte. De outro lado, há quem desconheça o tempo como algo definido. Muito embora sejamos carcomidos no corpo, a alma exala novos desafios que não criam uma "sincronia lógica" entra o passado referencial, o presente vivencial e o futuro imaginário. A partir deste pensar é possível que um "velho" se lance à tarefa de um jovem e vice-versa. Rompe-se assim a ideia de que há etapas cumpridas e não cumpridas. A morte, como boa fantasma que é, vive a passear ao largo da vida e nela pode interferir a qualquer hora e definitivamente.
O filme Late Bloomers - O Amor Não Tem Fim (2010, França, Bélgica e Reino Unido, dirigido por Julie Gavras, com Isabella Rossellini, William Hurt, Joanna Lumley, Simon Callow) é uma reflexão sobre o tempo e o ser a partir de uma "história comum". De um modo geral, seja no Brasil ou no exterior, o filme foi recebido com frieza pela crítica. Foi considerado "pobre" do ponto de vista do roteiro, muito embora na maioria das críticas tenha-se ressaltado a competente participação de Hurt e Rossellini no filme.
Não compactuo com esta visão. Acredito que a maior virtude do filme é a exata projeção do tema central (a temporalidade) num ambiente ordinário, comum e vulgar. Facilmente, podemos associar a nossa vida e contexto ao que vemos na tela.
O filme conta a estória de Mary e Adam, um casal próximo dos 60 anos de idade. Ela presume a certa altura que é portadora do mal de Alzheimer, o que não se comprova verdadeiro. Todavia, este fato faz com que Mary comece a adaptar a sua vida a perspectiva da velhice. Assim, compra equipamentos para velhos, camas com ajustes automáticos, relógios com números grandes e assim por diante.
Adam, um arquiteto premiado, comporta-se opostamente. Acredita que é capaz de novos desafios profissionais e pessoais e trata o tempo com desprezo. Não vê limites aos seus novos sonhos. Lança em projetar um novo empreendimento tendo como parceiros jovens arquitetos.
É desta dicotomia, cheia de rompimentos e descobertas por parte de cada personagem que o filme atinge o seu objetivo. Não caberia propriamente, do meu ponto de vista, que os personagens "inflamassem" os espíritos dos "céticos" que aceitam a condição de "velhos" ou os "rebeldes" que se renovam diariamente. Ao contrário, o filme transparece que, mesmo na serenidade do dia-a-dia, os homens são capazes de modificar ou não as suas vidas. Tudo ao alcance do espectador.
A cineasta franco-grega Julie Gavras, filha do comemorado diretor grego Costa-Gavras, saiu-se bem neste seu segundo filme - o primeiro chama-se A Culpa é do Fidel. Sua direção é segura e, mesmo tendo excepcionais artistas no elenco - não se pode dizer que a diretora não consegue extrair o seu próprio talento. A própria delicadeza do roteiro (de sua co-autoria) e a firmeza na condução das tomadas de cena, são talentos próprios dela. Portanto, a dureza com que foi tratada pela crítica me parece exagerada.
Vale a pena ver este filme cheio de doçura e significado. Nem sempre é preciso nos defrontarmos com a aspereza de um Dorian Gray para entendermos os efeitos, defeitos e possibilidades do tempo que nos envolve. Até Oscar Wilde concordaria.
terça-feira, 13 de dezembro de 2011
segunda-feira, 12 de dezembro de 2011
A Pele de Almodóvar
Pedro Almodóvar é um criador raro no ambiente cinematográfico. Sua estréia no cinema em 1974 com o curta-metragem Dos Putas o História de Amor que Termina em Boda (Duas Putas ou a História de Amor que Termina em Casamento) já inaugurava um estilo que se perpetuou ao longo de toda a sua carreira. É um estilista criativo que cunhou a primazia de sua própria personalidade sem preocupações em rivalizar seus filmes com os de outros cineastas, muito embora tenha recebido múltiplas e relevantes influências, reconhecidas pelo próprio espanhol, dentre os quais Luis Buñuel, Billy Wilder e Alfred Hitchcock.
Do meu ponto de vista há dois "fios condutores" que percorrem toda a sua filmografia. O primeiro é o cuidado estético de fixar uma imagem comum a todos os filmes, no geral, uma ambientalização pop, uma espécie de conjunção entre referências antigas (ou melhor, old fashion) e, paradoxalmente, moderna. Este "pano de fundo" de seus filmes respinga para o espectador uma sensação de atemporalidade, uma dificuldade de se localizar no tempo, se se está no futuro ou no passado. Trata-se de um traço cujo exercício é complexo do ponto de vista artístico e técnico e que coloca em segundo plano a discussão sobre o valor estético daquilo que se vê. Está mais para uma "assinatura". O segundo marco de sua obra é a presença marcante de grandes atrizes, algumas que projetam uma sexualidade exacerbada pela lente do diretor (Penélope Cruz e Victória Abril, por exemplo) e outras que recheiam os diálogos com uma força feminina exagerada (como no caso de Carmem Maura e Marisa Paredes). Excluo o fato de sua pública homossexualidade ser um aspecto definitivo de sua obra, muito embora muitos críticos assim o projetem. Para mim, a homossexualidade de Almodóvar pode até ter contribuído para apimentar certos traços comuns de seus filmes. Todavia, parece-me primário reduzir a construção de uma obra tão talentosa a um aspecto que embora marcante, me parece incapaz de ser determinante ou, como querem alguns, dominante.
O seu último filme, A Pele Que Habito (A Piel Que Habito, 2011, Espanha, com Antonio Banderas, Marisa Paredes e Elena Anaya) não é uma "novidade" em nenhum aspecto quando colocado à luz (e sem comparação) com o seus filmes anteriores. Isso não o torna de modo algum desinteressante ou óbvio. Ao contrário, o enredo sabe estar em sintonia com novos e intrigantes temas. O personagem principal é um cirurgião plástico (Robert, papel de Banderas) que está aparentemente às voltas com um experimento genético que levará a sua paciente Vera (Elena Anaya) a ter "uma pele resistente". A trama passa, ao longo de um bem construído roteiro, de algo marcadamente "científico" para outra perspectiva especialmente pessoal (relativamente a Robert). Não se trata propriamente de um "mistério" no sentido de Hitchcock, mas de uma "surpresa" no sentido do próprio cineasta espanhol. O roteiro é um vai-e-vem de cenas, temporalmente distintas, que vão explicando não apenas o sentido da estória, mas também a natureza dos personagens que de muitas formas se travestem segundo o tempo em que transcorre a estória. Ou seja, todos os possíveis, imaginários e impossíveis transtornos de seus personagens (não apenas deste filme) estão na estória que ganha o mesmo e forte colorido de seus cenários recheados de vermelho, laranja, lilás, etc. As psicoses são contadas com surpresa e calma. Tudo meio enlouquecedor sem que ninguém fique tremendo de medo ou angústia na cadeira do cinema.
A Pele Que Habito é um filme no qual residem um argumento poderoso (o grau de transformação de cada personagem nos seus aspectos físico e psicológico) e uma projeção estética que domina as cenas. Este ultimo aspecto me parece o "desejado" pelo autor. Parece-me que Almodóvar talhou cada cena de forma a que a própria forma cinematográfica tomasse de assalto os olhos do espectador. O que se vê é muito mais marcante que aquilo que se interpreta ou se escuta. É ali que está a pele de Pedro Almodóvar - ou será a sua alma? É como se o filme em sua forma final fosse apenas uma variante da estética que ele como esmero desejou projetar. Um produto cheio de aspectos complexos e intrigados que, ao final da sessão, recriam uma experiência particular e individual que permite que se discuta horas a fio sobre o filme e se chegue a apenas um consenso: trata-se de algo específico e especial de um autor de cinema. A forma supera o conteúdo sem o sufocar. O resto cabe a cada um concluir.
Do meu ponto de vista há dois "fios condutores" que percorrem toda a sua filmografia. O primeiro é o cuidado estético de fixar uma imagem comum a todos os filmes, no geral, uma ambientalização pop, uma espécie de conjunção entre referências antigas (ou melhor, old fashion) e, paradoxalmente, moderna. Este "pano de fundo" de seus filmes respinga para o espectador uma sensação de atemporalidade, uma dificuldade de se localizar no tempo, se se está no futuro ou no passado. Trata-se de um traço cujo exercício é complexo do ponto de vista artístico e técnico e que coloca em segundo plano a discussão sobre o valor estético daquilo que se vê. Está mais para uma "assinatura". O segundo marco de sua obra é a presença marcante de grandes atrizes, algumas que projetam uma sexualidade exacerbada pela lente do diretor (Penélope Cruz e Victória Abril, por exemplo) e outras que recheiam os diálogos com uma força feminina exagerada (como no caso de Carmem Maura e Marisa Paredes). Excluo o fato de sua pública homossexualidade ser um aspecto definitivo de sua obra, muito embora muitos críticos assim o projetem. Para mim, a homossexualidade de Almodóvar pode até ter contribuído para apimentar certos traços comuns de seus filmes. Todavia, parece-me primário reduzir a construção de uma obra tão talentosa a um aspecto que embora marcante, me parece incapaz de ser determinante ou, como querem alguns, dominante.
O seu último filme, A Pele Que Habito (A Piel Que Habito, 2011, Espanha, com Antonio Banderas, Marisa Paredes e Elena Anaya) não é uma "novidade" em nenhum aspecto quando colocado à luz (e sem comparação) com o seus filmes anteriores. Isso não o torna de modo algum desinteressante ou óbvio. Ao contrário, o enredo sabe estar em sintonia com novos e intrigantes temas. O personagem principal é um cirurgião plástico (Robert, papel de Banderas) que está aparentemente às voltas com um experimento genético que levará a sua paciente Vera (Elena Anaya) a ter "uma pele resistente". A trama passa, ao longo de um bem construído roteiro, de algo marcadamente "científico" para outra perspectiva especialmente pessoal (relativamente a Robert). Não se trata propriamente de um "mistério" no sentido de Hitchcock, mas de uma "surpresa" no sentido do próprio cineasta espanhol. O roteiro é um vai-e-vem de cenas, temporalmente distintas, que vão explicando não apenas o sentido da estória, mas também a natureza dos personagens que de muitas formas se travestem segundo o tempo em que transcorre a estória. Ou seja, todos os possíveis, imaginários e impossíveis transtornos de seus personagens (não apenas deste filme) estão na estória que ganha o mesmo e forte colorido de seus cenários recheados de vermelho, laranja, lilás, etc. As psicoses são contadas com surpresa e calma. Tudo meio enlouquecedor sem que ninguém fique tremendo de medo ou angústia na cadeira do cinema.
A Pele Que Habito é um filme no qual residem um argumento poderoso (o grau de transformação de cada personagem nos seus aspectos físico e psicológico) e uma projeção estética que domina as cenas. Este ultimo aspecto me parece o "desejado" pelo autor. Parece-me que Almodóvar talhou cada cena de forma a que a própria forma cinematográfica tomasse de assalto os olhos do espectador. O que se vê é muito mais marcante que aquilo que se interpreta ou se escuta. É ali que está a pele de Pedro Almodóvar - ou será a sua alma? É como se o filme em sua forma final fosse apenas uma variante da estética que ele como esmero desejou projetar. Um produto cheio de aspectos complexos e intrigados que, ao final da sessão, recriam uma experiência particular e individual que permite que se discuta horas a fio sobre o filme e se chegue a apenas um consenso: trata-se de algo específico e especial de um autor de cinema. A forma supera o conteúdo sem o sufocar. O resto cabe a cada um concluir.
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