Indicações aos prêmios de cinema nem sempre são referências eficazes para guiar aqueles que gostam de cinema e pretendem escolher um bom filme. Assim como ocorre no caso dos críticos, há uma infinidade de aspectos subjetivos e objetivos que criam barreiras ao discernimento dos leitores no que tange a escolha para assistir aos filmes abençoados e bem conceituados pelos críticos. Ademais, há o número de estrelas e os rankings dos jornais e sites que emboloram a mente do desejoso de um bom filme. De toda a forma, há inteira justiça na indicação do filme The Artist (França, 2011, dirigido por Michel Hazanavicius, com Jean Dujardin, Bérénice Bejo e John Goodman) para o Oscar e para o Globo de Ouro, os dois prêmios mais importantes do cinema norte-americano.
Trata-se de um filme mudo, em preto em branco e com um roteiro, digamos, "bastante tradicional" que faz, por meio de seus personagens, o retrato da transposição do cinema mudo em falado, no final dos anos 1920 e início dos 30 nos EUA e no mundo. Além da superação tecnológica e formal do cinema sem fala para o falado, esta transformação alterou completamente a construção cinematográfica no que se refere à dramaticidade dos personagens e ao comportamento cênico e expressividade corporal dos artistas. Não à toa, Charles Chaplin foi um dos maiores críticos e partizan ativo contra o cinema falado. Enfim, cedeu sem que isso não o permitisse dar umas boas bordoadas no cinema falado. Para o gênio do cinema mudo, esta transformação minimizava a expressividade dos sentimentos perante a câmera e distorcia a caracterização dos personagens. Já Buster Keaton, rival de Chaplin no cinema mudo, se valia das gags recheadas de saltos, movimentos acrobáticos e uma série de expressões corporais para gravitar os personagens em torno da estória silenciosa. A compassividade de Keaton se confrontava com a expressão facial e a extremada saliência dramática de Chaplin. Um belo confronto, sem dúvida e relativamente esquecido na história do cinema.
The Artist não faz alterações bruscas do ponto de vista daquela forma dos anos 20 e 30. Muito embora os dois artistas principais do filme não sejam Chaplin e Keaton, ambos se desincubem da missão artística com grande talento e beleza estética. Jean Dujardin (cujo personagem chama-se George Valentin) consegue somar o brilho de duas lembranças fantásticas do cinema, Gene Kelly (com o qual se parece bastante) e o estilo fanfarrão dO Gordo e o Magro. O francês faz uma verdadeira "estréia" internacional em grande estilo. O mesmo vale para a mimosa Berenice Bejo que reúne raro talento para expressar Peppy Miller, a personagem bondosa e, ao mesmo tempo, vívida da atriz do cinema falado (Dujardin faz o artista mudo).
Na Europa o filme foi extremamente bem recebido,sem que as falas em inglês possam se constituir em uma barreira significativa para a aceitação de um filme como ocorre na França e na Itália (onde os filmes todos são dublados e não legendados). Interessante notar que, diante da crise atual no Velho Continente, o roteiro exala uma série de mensagens significativas aos europeus. Não vou contar nada do roteiro para não atrapalhar o gosto cinéfilo dos leitores mas posso antecipar que da estória há lições muita humanas. Mesmo em meio a enormes transformações tecnológicas, crises pessoais e interesses econômicos é possível projetar aos seres humanos doçura, solidariedade e amor. Entre os dois personagens do filme haveria um enorme espaço para as intrigas e as vaidades. Todavia, a personagem de Bejo (Peppy Miller) resolve tudo por meio da generosidade e do amor para quem seria o seu rival se seguisse a vontade imperial do produtor do filme (personagem de John Goodman). Estas lições caem como uma luva para uma Europa atual cheia de desempregados e solitários vaguejantes nas ruas das cidades e das capitais. O amor vence sempre, desde que assim desejemos. É essa a respiração natural e cheia de emoção deste fantástico filme que deve chegar ao Brasil ao longo deste ano. A aceitação do público e os prometidos prêmios demonstram igual generosidade que o filme condensa, ilustra e encanta. O público agradece e este filme merece.
segunda-feira, 9 de janeiro de 2012
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