Jack Kerouac, John Clellon Holmes, Allen Ginsberg e alguns outros lançaram à prova e aos "consumidores de arte" o termo beat ou beatnik como forma de identificação e referência a uma geração pós-II Guerra Mundial que, inserida nas cidades, era excluída, marginalizada, tresloucada e viciada. Uma espécie de submundo do qual estes escritores extraíram inspiração para a produção de suas obras igualmente batizadas de beats. Creio que a principal virtude desta geração literária tenha sido a sintonia instintiva com o seu tempo e com os seus pares. Beberam direto na fonte. De outro lado, os seus leitores (e muitos que sequer pegaram em seus livros), criaram esterótipos muito além da própria qualidade ou virtude de cada escritor. Em função destes últimos , a geração beat pareceu-me exageradamente valorizada ao longo dos anos. Já nos anos 50 e 60, iniciava-se a "pasteurização" do pensamento e dos intelectuais: a força essencial das ideias era sublimada pela sua forma aparente. Uma camiseta beatnik era "bacana", mesmo que não se soubesse minimamente o que "significava" ou "expressava".
O filme Na Estrada (On The Road, EUA, 2012, dirigido por Walter Salles Jr., com Sam Riley, Garrett Hedlund, Kristen Stewart, Kirsten Dunst, Tom Sturridge, Viggo Mortensen, Amy Adams, Alice Braga, Steve Buscemi, Danny Morgan, roteiro de Diego Rivera) é a tentativa de resgatar para o cinema a principal obra homônima do beatnik Jack Kerouac. Os direitos do livro eram detidos há mais de vinte anos por Francis Ford Coppola, o notável produtor do filme e Salles Jr. resolveu filmá-lo há alguns anos e executou este projeto em outros tantos. Para isso montou um elenco que pudesse assumir o compromisso de longo prazo com as filmagens. Houve, portanto, um considerável esforço de produção para a consecução da tarefa. Neste ano, o filme foi badalado no Festival Internacional de Cinema de Cannes e recebeu algumas menções secundárias do júri.
O fato é que o filme não consegue minimamente converter a obra de Kerouac em ficção cinematográfica capaz de expressar a qualidade do livro. Nem mesmo, os esterótipos relacionados ao uso de drogas, aos excessos sexuais ou comportamentais, à música ou às personagens da "longa jornada na estrada" consegue se fixar nos olhos de quem assiste ao filme de Salles Jr. Ademais, um a um, os atores tem um desempenho muito ruim, sem dramaticidade, sem capacidade de tornar certas cenas comuns em algo "estranhamente artístico" o que sempre foi o objetivo de Kerouac. Sam Riley é visivelmente imaturo para um papel principal desta magnitude e não consegue desempenhar a personalidade complexa que Kerouac teceu ao (seu próprio) personagem. Kristen Stewart é apenas uma atriz bonita e sexy e não consegue ultrapassar esta fronteira, Kirsten Dunst parece conformada em seguir instruções do diretor e assim vai. O filme vai, logo nos primeiros minutos, se tornando enfadonho, sem maiores expectativas e do meio para frente, a torcida é grande para que tudo acabe logo. Nada de anti-materialista, espiritual, questionador, crítico ou reflexivo consegue ser extraído do filme. Apenas o que se vê é um amontoado de cenas que angustiam pela incapacidade de expressar e não por aquilo que expressam.
A direção é muito óbvia, com o jogo de câmeras sempre igual, especialmente ao longo da estrada. Uma eterna repetição. Aliás, lembra muito em alguns momentos "Os Diários da Motocicleta" do mesmo diretor sobre a trajetória de Ernesto Che Guevara na sua viagem pela América do Sul nos anos 50.
Uma pena que este filme não tivesse atingido o seu objetivo de realimentar a memória de tão relevante obra da literatura moderna norte-ameircana. Perdeu-se uma excelente oportunidade de fazê-lo depois de tantos anos de o roteiro permanecer na gaveta. Perdeu-se e não foi na estrada. Foi na tela mesmo.
quarta-feira, 25 de julho de 2012
terça-feira, 17 de julho de 2012
Um Novo e Grande Poeta: Fernando Dusi Rocha
Dentre
os gêneros literários - a comédia, o drama, a tragédia, o romance, a novela, o
conto - é a poesia aquela que encerra as maiores dificuldades para o autor e
para o leitor. O poeta é essencialmente um criador em todos os aspectos deste
gênero literário, restringindo-se não somente à forma do verso, mas ao caráter
essencialmente subjetivo do texto e à sua elevação ficcional. Há um elenco de
possibilidades que carrega o poeta cujas escolhas em verso traduzem um lirismo
necessariamente irracionalista, mesmo que penetre à mente do leitor com poderes
de produzir sensações mais diversas. Para o leitor, exige-se um grau de
abstração resultante da ausência de um “estatuto próprio” deste gênero que
possa situá-lo em termos de narrativa e forma. Tal qual a música, a poesia é
recebida como uma espécie de sussurro ao pé de ouvido, uma confissão que não
pode ser proferida em voz alta. Apenas mergulha na alma.
Nestes
tempos em que a matéria domou o gênero humano, a poesia se acanhou enquanto
preferência dentre os livros escolhidos nas prateleiras pelos leitores e com
poucos editores capazes de redescobri-las em autores de qualidade no exercício
da construção da qual nos falou Aristóteles na sua Poética. A poesia de qualidade brota com a flor de lótus por entre
o imenso lamaçal de grande parte da literatura mundial e nacional. Parece um
diagnóstico excessivamente duro, mas basta percorrer os corredores das
livrarias para perceber esta realidade.
Há
bênçãos, contudo. Fernando Dusi Rocha é destes poetas, escondidos em meio à
vastidão do mundo e que é repouso para a alma do leitor e amante da poesia.
Seu livro Crisol Com Açúcar (2011,
Editora 7Letras) é simplesmente dotado de todas as virtudes para frequentar as
boas prateleiras mentais e físicas, dos leitores e das livrarias. O poeta
nasceu em 1961 em Ubá, a cidade carinho, terra de Ary Barroso, Antonio Olinto e
Ascânio Lopes. Portanto, já tem raízes que deitam sobre a melhor terra da
música e da literatura. É doutorando em literatura pela Universidade de
Brasília, onde desenvolve pesquisa sobre o veio prosaístico das Cartas Régias do Padre Antônio Vieira. Seu primeiro
livro, O exílio de Polifemo (2006),
foi o 10º colocado na categoria Poesia do
Prêmio Jabuti de 2007. É acadêmico voltado às letras, membro da Societè dês auteurs et poetes de la
Francophonie, ensaísta e publicou artigos em diversos jornais e revistas
nacionais e estrangeiros. Como se vê uma bagagem e tanto.
Todavia,
seria apenas um acadêmico com estufada reputação, não fosse poeta do qual
“escorre o poema” e se excede. Crisol com
Açúcar é um livro bem cuidado, caprichado, ressonante. O termo Crisol,
conforme explicado logo na abertura do livro, era o nome atribuído aos
anarquistas catalães que se notabilizaram em 1922/23 no combate contra a
“guerra suja” patronal contra os trabalhadores de Barcelona. Note-se, portanto,
que o poeta, talvez revestido pela mansidão e delicadeza mineira, logo tratou
de adoçar os combatentes revolucionários: eis o açúcar.
O
livro é um compêndio poeticamente organizado de 36 poemas “afetados” e 32
“glosados”. São impressionantemente representativos da melhor poesia: o leitor
vai passeando, nas palavras de Tvzetan Todorov, “na literalidade como uma pura configuração fônica, gráfica e semântica
e, por outro lado, um discurso representativo (´mimético´) que evoca um
universo de experiência.” Tudo isso, marcado por um lirismo transeunte
entre o humor (contido) e certo ar fatídico. Vejamos uns poucos versos
selecionados do poema Ora et Labora, estúpido!:
tremi ao saber que
jamais seria um anjo: apenas percebo
a angeolologia em
papéis de cabeceira. Esse devão nunca
me degradaria nem me
arrastaria a terras sem nódoas.
Ou
no poema que dá nome ao livro:
que a humanidade oferecia:um
verniz da verdade.
Nada mais faiscava no
meu lado: só o gozo
daquele nosso crisol
derretido em rapadura.
É
rara a presença de um poeta entre nós com tanta versatilidade, sem que o uso
desta palavra ressoe algo ligado ao utilitarismo do mundo hodierno. Como “poeta
moderno” e mineiro, as formas do autor não estão circunscritas aos rondós ou
aos modelos clássicos, mas bem que poderiam estar, uma questão de mera
preferência formal. A temática poética que é proposta por Dusi Rocha para se
expandir na mente do leitor pode perfeitamente ser reimaginada e novamente os
versos são passíveis de serem reconstruídos para que a ideia possa ser
completamente abarcada. É difícil, como já disse acima, esta tarefa poética.
Não à toa, a sua escolha por formas mais fixas recai sobre os sonetos, a mais
fecunda criação poética de vez que “vale mais que um longo poema” (Boileau)
quando bem construído. A heterogeneidade da linguagem, as suas fábulas
narrativas e as coletâneas de ideias são realmente merecedoras de leitura
cuidadosa daqueles que tem a capacidade especial da abstração e do
“entendimento” poético da apresentação/representação proposta pelo autor.
Crisol com Açúcar é
um presente à poesia brasileira. Fernando Dusi Rocha, poeta mineiro de Ubá,
precisa ser conhecido do público brasileiro e dos editores. È justo que os
encontros literários voltem ao passado para comemorar os anos de nossos maiores
escritores e poetas. Todavia, por tantas vezes, temos a chance de inaugurar o
futuro e continuamos a cultivar apenas o passado. E apenas isso. Dusi Rocha
está aí para, quem sabe com tantos outros poetas, inaugurar uma nova jornada com açúcar da poesia brasileira.
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