terça-feira, 17 de julho de 2012

Um Novo e Grande Poeta: Fernando Dusi Rocha


Dentre os gêneros literários - a comédia, o drama, a tragédia, o romance, a novela, o conto - é a poesia aquela que encerra as maiores dificuldades para o autor e para o leitor. O poeta é essencialmente um criador em todos os aspectos deste gênero literário, restringindo-se não somente à forma do verso, mas ao caráter essencialmente subjetivo do texto e à sua elevação ficcional. Há um elenco de possibilidades que carrega o poeta cujas escolhas em verso traduzem um lirismo necessariamente irracionalista, mesmo que penetre à mente do leitor com poderes de produzir sensações mais diversas. Para o leitor, exige-se um grau de abstração resultante da ausência de um “estatuto próprio” deste gênero que possa situá-lo em termos de narrativa e forma. Tal qual a música, a poesia é recebida como uma espécie de sussurro ao pé de ouvido, uma confissão que não pode ser proferida em voz alta. Apenas mergulha na alma.
Nestes tempos em que a matéria domou o gênero humano, a poesia se acanhou enquanto preferência dentre os livros escolhidos nas prateleiras pelos leitores e com poucos editores capazes de redescobri-las em autores de qualidade no exercício da construção da qual nos falou Aristóteles na sua Poética. A poesia de qualidade brota com a flor de lótus por entre o imenso lamaçal de grande parte da literatura mundial e nacional. Parece um diagnóstico excessivamente duro, mas basta percorrer os corredores das livrarias para perceber esta realidade.
Há bênçãos, contudo. Fernando Dusi Rocha é destes poetas, escondidos em meio à vastidão do mundo e que é repouso para a alma do leitor e amante da poesia. Seu livro Crisol Com Açúcar (2011, Editora 7Letras) é simplesmente dotado de todas as virtudes para frequentar as boas prateleiras mentais e físicas, dos leitores e das livrarias. O poeta nasceu em 1961 em Ubá, a cidade carinho, terra de Ary Barroso, Antonio Olinto e Ascânio Lopes. Portanto, já tem raízes que deitam sobre a melhor terra da música e da literatura. É doutorando em literatura pela Universidade de Brasília, onde desenvolve pesquisa sobre o veio prosaístico das Cartas Régias do Padre Antônio Vieira. Seu primeiro livro, O exílio de Polifemo (2006), foi o 10º colocado na categoria Poesia do Prêmio Jabuti de 2007. É acadêmico voltado às letras, membro da Societè dês auteurs et poetes de la Francophonie, ensaísta e publicou artigos em diversos jornais e revistas nacionais e estrangeiros. Como se vê uma bagagem e tanto.
Todavia, seria apenas um acadêmico com estufada reputação, não fosse poeta do qual “escorre o poema” e se excede. Crisol com Açúcar é um livro bem cuidado, caprichado, ressonante. O termo Crisol, conforme explicado logo na abertura do livro, era o nome atribuído aos anarquistas catalães que se notabilizaram em 1922/23 no combate contra a “guerra suja” patronal contra os trabalhadores de Barcelona. Note-se, portanto, que o poeta, talvez revestido pela mansidão e delicadeza mineira, logo tratou de adoçar os combatentes revolucionários: eis o açúcar.
O livro é um compêndio poeticamente organizado de 36 poemas “afetados” e 32 “glosados”. São impressionantemente representativos da melhor poesia: o leitor vai passeando, nas palavras de Tvzetan Todorov, “na literalidade como uma pura configuração fônica, gráfica e semântica e, por outro lado, um discurso representativo (´mimético´) que evoca um universo de experiência.” Tudo isso, marcado por um lirismo transeunte entre o humor (contido) e certo ar fatídico. Vejamos uns poucos versos selecionados do poema  Ora et Labora, estúpido!:

tremi ao saber que jamais seria um anjo: apenas percebo
a angeolologia em papéis de cabeceira. Esse devão nunca
me degradaria nem me arrastaria a terras sem nódoas.

Ou no poema que dá nome ao livro:

que a humanidade oferecia:um verniz da verdade.
Nada mais faiscava no meu lado: só o gozo
daquele nosso crisol derretido em rapadura.

É rara a presença de um poeta entre nós com tanta versatilidade, sem que o uso desta palavra ressoe algo ligado ao utilitarismo do mundo hodierno. Como “poeta moderno” e mineiro, as formas do autor não estão circunscritas aos rondós ou aos modelos clássicos, mas bem que poderiam estar, uma questão de mera preferência formal. A temática poética que é proposta por Dusi Rocha para se expandir na mente do leitor pode perfeitamente ser reimaginada e novamente os versos são passíveis de serem reconstruídos para que a ideia possa ser completamente abarcada. É difícil, como já disse acima, esta tarefa poética. Não à toa, a sua escolha por formas mais fixas recai sobre os sonetos, a mais fecunda criação poética de vez que “vale mais que um longo poema” (Boileau) quando bem construído. A heterogeneidade da linguagem, as suas fábulas narrativas e as coletâneas de ideias são realmente merecedoras de leitura cuidadosa daqueles que tem a capacidade especial da abstração e do “entendimento” poético da apresentação/representação proposta pelo autor.
Crisol com Açúcar é um presente à poesia brasileira. Fernando Dusi Rocha, poeta mineiro de Ubá, precisa ser conhecido do público brasileiro e dos editores. È justo que os encontros literários voltem ao passado para comemorar os anos de nossos maiores escritores e poetas. Todavia, por tantas vezes, temos a chance de inaugurar o futuro e continuamos a cultivar apenas o passado. E apenas isso. Dusi Rocha está aí para, quem sabe com tantos outros poetas, inaugurar uma nova jornada com açúcar da poesia brasileira. 

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