segunda-feira, 25 de junho de 2012

Gracias a Violeta Parra

Violeta Parra (1917-1967) pertence a um rol de artistas que se projetou diretamente de suas raízes para o mundo. Sem intermediários e influências laterais conseguiu ao longo de sua  carreira, iniciada aos nove anos, projetar uma musicalidade genuína e marcante nascida das montanhas chilenas diretamente para o mundo. Muito embora seu traçado artístico tenha sido aproveitado (e com a sua aquiescência) ideologicamente pela esquerda latino-americana pode-se afirmar que sua arte integra-se muito mais ao universo folclórico que ao tecido do pensamento da esquerda de língua espanhola da América. A isso também pode-se dizer de suas outras facetas artísticas menos conhecidas: as pinturas e o artesanato.


Interessante que apesar de sua vida estar fincada num período de extraordinária transformação política e econômica do Chile e da América Latina, a força de seus versos cantados está na intensa expressão artística das classes que ficaram permanentemente à margem destes processos. São os campesinos, mineiros, pequenos agricultores e os marginais do processo subcapitalista os inspiradores e os destinatários da obra de Parra. Todavia, esta obra ultrapassou as fronteiras chilenas e ganhou as mentes dos ideólogos e dos artistas mundo afora. Sua personalidade forte somada a uma imagem marcante e destoante da elite branca não impediu que a burguesia nativa se apropriasse de algumas de suas visões nacionalistas e raízes mais profundas do povo chileno. Além das músicas recheadas de conteúdo de protesto, há um lirismo penetrante em sua música, sendo a mais famosa Gracias a La Vida cantada por muitos intérpretes, dentre os quais a argentina Mercedes Sosa (1935-2009) e a brasileira Elis Regina (1945-1982).


Gracias a la vida, que me ha dado tantoMe dió dos luceros que cuando los abroPerfecto distingo lo negro del blancoY en alto cielo su fondo estrelladoY en las multitudes el hombre que yo amo

O recém-lançado filme Violeta Foi Para o Céu (2011, Chile/Brasil/Argentina, direção de Andrés Wood, com Francisca Gavillán, Tomas Durand e Christian Quevedo e roteiro de Eliseu Altunaga) recorda com certa veia poética a trajetória da cantora chilena. O mais impressionante do filme é a interpretação segura de Francisca Gavillán (atriz principal do filme Machuca de 2004). A semelhança física com Parra  é impressionante (a foto colorida é da atriz e a em preto e branco é da cantora) e a interpretação é firme e consistente, coisa difícil em personagens tão marcados e marcantes. O filme ganhou Prêmio do Grande Júri do Festival de Sundance, uma das razões para a ampla distribuição nos cinemas das principais cidades brasileiras. Violeta tem todos os ingredientes para agradar os públicos mais intelectualizados dos países do hemisfério norte. A composição de uma excêntrica musicalidade com os contrastes sociais que as letras de Parra projetam tem tudo para seduzir os públicos mais distantes da realidade deste canto do mundo. Para os brasileiros há algo de melancólico em ver a personagem e escutar as suas músicas. Afinal, tudo soa como se estivéssemos nos perdidos anos 60. De outro lado, é um aprendizado para os que não conhecem Parra. Neste particular, o roteiro deixa rastros de sua personalidade, mas falta para os que nada sabem da história de Violeta uma contextualização que permita que o espectador se situe temporalmente perante a personagem e a sociedade em que estava inserida.
Por estes tempos em que a antiga esquerda latino-americana perdeu suas referências políticas e artísticas é um deleite assistir a este filme e resgatar um pouquinho aqueles tempos nos quais algumas almas ainda se condoíam com os mais pobres, os marginalizados e os sofridos. A música era folclórica e a realidade dura. Hoje, as coisas parecem estar invertidas.    

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