terça-feira, 10 de agosto de 2010

A Beleza de Jolie e a Paranóia Americana

A beleza sexy e reluzente de Angelina Jolie é o que há de melhor no filme Salt (EUA, 2010, direção de Phillip Noyce, com Liev Schreiber e Chiwetel Ejiofor). De fato, Jolie evoluiu na beleza, reduziu o peso e, aparentemente, expandiu os seios. É um colírio em meio a centenas de efeitos cênicos e especiais, muita ação e uma filmagem cuidadosa do ponto de vista de cenários e explosões (literais). A coisa pára por aí: o filme tem dois problemas que jogam o filme para um destino desastroso. O primeiro é um roteiro confuso e que não cria a tensão que a força das cenas exorbita. Simplesmente a estória não acontece, fica tudo numa promessa completamente vazia. A saída foi simples e coroa a falta de mínima coerência do roteiro: inventa-se um destino para a principal personagem (Salt), o que promete outro filme, mas torna tudo ainda mais confuso. O roteiro somado às cenas é um desastre.
O segundo ponto notável deste tipo de filme é a busca frenética dos autores, sejam eles os diretores, os produtores e todas as equipes, por um inimigo imaginário dos EUA. Se durante a Guerra Fria ou mesmo após a II Guerra Mundial, o tal do "inimigo" era absolutamente detectável, o que se nota é que a queda do Muro de Berlim foi um completo desastre para a filmografia neurótica dos EUA. Como se sabe, há muitos inimigos que podem atingir os EUA - Bin Laden provou isto -, mas não há nenhum que possa destroçá-lo. Não obstante, a patota de Holywood precisa inventar um "inimigo comum e externo" que seja capaz de permear o imaginário da sociedade americana (e correlatas). O que sobrou foi Cuba (pequena demais para assustar), a Coréia do Norte (longe demais para perturbar as mentes) e o terrorismo islâmico (muito batido em Hollywood). Ora, Salt consegue ressucitar a ex-URSS. Acreditem, a ressureição soviética comunista acontece na tela!


Fico imaginando o rol de interesses que motivam um escritor de roteiros a ir tão longe. Nem é preciso associar isto à indústria armamentista, afinal a "guerra ao terror" já é suficiente para jorrar milhões para muito tigre industrial. Acredito que há algo mais no ar: a segurança nacional norte-americana não é mais algo buscado por razões "legítimas" de interesse do país. A coisa já invadiu os cantos cerebrais do norte-americano comum que precisa de alguma excitação para que os seus vetores paranóicos funcionem. Não fosse isto, não se cultivaria tanto a neurose da filmografia com os temas bélicos. O problema é que, ao contrário do bom e charmoso James Bond, é provável que a audiência saia convencida de que aquela baboseira toda possa sair da tela e acabar nos quintais gramados dos subúrbios da classe média yankee. Numa dessas, os hispânicos, negros e pobres (ou tudo isto junto) terão de ser deslocados com suas armas para enfrentar o "inimigo".
Fico imaginando Angelina Jolie, tão fiel aos seus afazeres humanitários, em meio às filmagens. Será que ela se ressente de estar propagando algo tão nefasto às mentes do mundo afora, especialmente dos americanos? Perdoe-me a incursão em tema tão sério e diante de filme tão bobo, mas é que não acredito nesta separação tão nítida entre a fantasia e a realidade...
Salt náo serve sequer para divertir, mas não sejamos tão egoístas: é deste filme que depende o salário de Jolie e ela merece! Recentemente, se tornou uma das top five mais bem pagas do cinema mundial. Ela pode não ter muito talento artístico, mas cada um usa o que tem, não é mesmo?

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

"Uma Noite em 67" Documenta Um Brasil Novo Com Rara Competência

Simplicidade e uma escolha minuciosa dos fatos para mostrar com rara fidelidade documental o contexto, as idéias, as contradições e os fatos (ora, os fatos!) relacionados com o famoso Festival de Música da Record de 1967. Do meu ponto de vista estes são os principais méritos do  documentário Uma Noite em 1967 (Brasil, 2010, direção de Ricardo Calil e Renato Terra).
A obra dos diretores é um desfile raro de celebridades (atuais) que oscilam entre a missão consciente e imediata de ganhar aquele festival de música e a inconsciente construção de um cenário ou era nova na música popular brasileira. Roberto Carlos, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Chico Buarque, Edu Lobo, Os Mutantes e tantos outros, prestam um enorme serviço ao esclarecer o cenário e as matizes sociais, políticas, estéticas, culturais e antropológicas de um país pós-64 que se transformava além das suas próprias expectativas. Note-se que toda aquela turma estava com seus vinte e poucos anos, mas já lustrava uma maturidade muito além daquela que vemos hoje a frequentar os bancos universitários.
O documentário, como já dissemos, é simples e vai ao ponto: as entrevistas concedidas pelos protagonistas à época do festival e "cruzadas" com outras atuais são, de forma incrível, muito bem elaboradas no que tange ao que se questiona em cada época. A prestação do esclarecimento é feito com muita competência, elegância e muito humor. Apesar de ser um documentário é possível rir muito de certas situações e fatos. Além disto, se é possível acreditar que ali em 67 sobrava inteligência e percepção aguda sobre os fatos, é ainda melhor constatar que as contradições da época são mostradas ao mesmo tempo com as imagens e com os diálogos. O espectador pode oscilar entre o que vê e escuta e tirar suas próprias conclusões, algo fundamental quando assistimos a documentários.
Aquele Brasil da ditadura era paradoxalmente moderno e arcaico. Nota-se isto quando se vê a distância entre os que os entrevistadores (Cidinha Campos, Randal Juliano e Reali Jr.) da época perguntavam aos participantes do festival e as respostas ligeiras, espertas e inteligentes dos cantores/compositores. Caíam as muralhas do óbvio e se revelava um mundo realmente contemporâneo. A ditadura não parou isto. Quando nos transportamos para os dias atuais vemos que a coisa na tela se modernizou muito no que tange à forma, mas que é notória a carência de novas idéias com conteúdo valorativo. Não se trata de saudosismo, mas apenas de uma apreciação crítica sobre o que estamos a assistir. Fico até pensando se os "marqueteiros" de hoje deixariam que um festival como aquele, sem nomes famosos ou consolidados e com uma música primeva, poderia prometer a audiência medida pelos institutos de pesquisa. O "novo", mesmo que com feições algumas vezes arcaicas, é inusitado e arriscado. O documentário de Kalil e Terra mostram que ele também é possível. Vejam bem: naquele festival Chico Buarque e Edu Lobo (que o venceu) eram os "velhos" do pedaço. Caetano e Gil os "modernos". A viola era a trincheira da defesa da brasilidade na música e a guitarra o ícone imperialista.
Quando eu saí do cinema fiquei com um sentimento duplo em relação a este belo documentário: uma saudade sem melancolia com uma vontade louca de topar com algo novo. Isto é possível e desejável. Acho até que não tem nada a ver com os moderninhos que andam por aí.
   

"À Prova de Morte", Um Abuso de Forma de Tarantino

Nem precisamos especular sobre aspectos filosóficos ou estéticos para concluir que  o filme do diretor norte-americano Quentin Tarantino, À Prova de Morte (Death Proof, EUA, 2007, com Kurt Russel , Rosario Dawson , Vanessa Ferlito , Jordan Ladd  e Rose McGowan) não passa de um tremendo abuso de forma, uma elaboração estética que despreza não somente alguns dos fundamentos do cinema, mas a própria inteligência da platéia.
O cinema não precisa estar comprometido com as relações entre a racionalidade, a sensibilidade e o domínio estético daquilo que é projetado na tela. Um diretor ou ator pode explorar uma determinada realidade (ou imaginação) psíquica em moldes muitas vezes surpreendentes. São muitos os exemplos, mas eu lembraria neste momento alguns dos filmes de David Lynch (Império dos Sonhos (2006), Cidade dos Sonhos (2001) e, até mesmo, Veludo Azul(1986)). A visão ou ante-visão sobre tais filmes, fez com que Lynch lançasse uma estética condizente com o seu projeto, digamos, "onírico" com ampla utilização de elementos "para-artísticos", "meta-artísticos" ou "anti-artísticos". 
O que se vê no filme de Tarantino não é nada disto. Trata-se, isto sim, de um completo abuso de forma sem que o seu resultado não possa ser remetido nem na razão, nem na sensibilidade e nem no impulso de uma idéia "não-convencional". O que parece acontecer é que Tarantino buscou ocupar um espaço experimental onde junta um roteiro entrelaçado de situações no qual a única coisa comum são as doses nada homeopáticas de violência.
O filme conta a estória de um dublê de cinema que persegue com seu carro old fashion moças sensuais e desbocadas e as coloca em situação de risco que as leva (ou não) à morte. O filme tenta ser um filme B, mas vira mesmo é um filme trash sem que a platéia possa segui-lo. Uma gratuidade que não vale o preço do ingresso.
Há recursos na idéia que poderiam ser muito bem aproveitados, a começar pela boa qualidade do elenco, especialmente o ressucitado Kurt Russell. Até mesmo a intenção estética poderia ser cavucada entre a lente da câmera e as marcações de cenário. Todavia, o roteiro destrói tudo: não há explicação nenhuma que me pareça possível para o correr das cenas. (Algumas das cenas são até engraçadas isoladamente, mas nem o prazer imediato daquilo que se vê pode ser curtido no filme). Tudo parece efêmero, inclusive os personagens que estão caracterizados, mas não tem nenhuma função senão a de satisfazer as macaquices de Tarantino.
Não vi críticas sobre o filme, mas acho que provavelmente uma parcela relevante destas vai achar razões para defender a obra de Tarantino. Sobretudo, no que concerne a algumas das formulações de Tarantino neste filme que parecem se aproximar as suas outras montagens, sobretudo no caso de Pulp Fiction. Pura ilusão.
Confesso que sou fã de Tarantino. Eis aí um diretor desafiador num mundo cinematográfico ilustrado de infinitas chatices. Tarantino escapa ao cenário vivente com altas doses de patologias sociais, sobretudo às relacionadas com o sexo e à violência, para traduzir uma idéia que seja socialmente sensível. É o que vemos em Pulp Fiction, Bastardos Inglórios e Cães de Aluguel. Neste À Prova de Morte o que temos é um abuso de forma desrespeitoso com o público e com o próprio diretor. Ele fez uma piada e apenas ele ri. Ridículo.