segunda-feira, 2 de agosto de 2010

"À Prova de Morte", Um Abuso de Forma de Tarantino

Nem precisamos especular sobre aspectos filosóficos ou estéticos para concluir que  o filme do diretor norte-americano Quentin Tarantino, À Prova de Morte (Death Proof, EUA, 2007, com Kurt Russel , Rosario Dawson , Vanessa Ferlito , Jordan Ladd  e Rose McGowan) não passa de um tremendo abuso de forma, uma elaboração estética que despreza não somente alguns dos fundamentos do cinema, mas a própria inteligência da platéia.
O cinema não precisa estar comprometido com as relações entre a racionalidade, a sensibilidade e o domínio estético daquilo que é projetado na tela. Um diretor ou ator pode explorar uma determinada realidade (ou imaginação) psíquica em moldes muitas vezes surpreendentes. São muitos os exemplos, mas eu lembraria neste momento alguns dos filmes de David Lynch (Império dos Sonhos (2006), Cidade dos Sonhos (2001) e, até mesmo, Veludo Azul(1986)). A visão ou ante-visão sobre tais filmes, fez com que Lynch lançasse uma estética condizente com o seu projeto, digamos, "onírico" com ampla utilização de elementos "para-artísticos", "meta-artísticos" ou "anti-artísticos". 
O que se vê no filme de Tarantino não é nada disto. Trata-se, isto sim, de um completo abuso de forma sem que o seu resultado não possa ser remetido nem na razão, nem na sensibilidade e nem no impulso de uma idéia "não-convencional". O que parece acontecer é que Tarantino buscou ocupar um espaço experimental onde junta um roteiro entrelaçado de situações no qual a única coisa comum são as doses nada homeopáticas de violência.
O filme conta a estória de um dublê de cinema que persegue com seu carro old fashion moças sensuais e desbocadas e as coloca em situação de risco que as leva (ou não) à morte. O filme tenta ser um filme B, mas vira mesmo é um filme trash sem que a platéia possa segui-lo. Uma gratuidade que não vale o preço do ingresso.
Há recursos na idéia que poderiam ser muito bem aproveitados, a começar pela boa qualidade do elenco, especialmente o ressucitado Kurt Russell. Até mesmo a intenção estética poderia ser cavucada entre a lente da câmera e as marcações de cenário. Todavia, o roteiro destrói tudo: não há explicação nenhuma que me pareça possível para o correr das cenas. (Algumas das cenas são até engraçadas isoladamente, mas nem o prazer imediato daquilo que se vê pode ser curtido no filme). Tudo parece efêmero, inclusive os personagens que estão caracterizados, mas não tem nenhuma função senão a de satisfazer as macaquices de Tarantino.
Não vi críticas sobre o filme, mas acho que provavelmente uma parcela relevante destas vai achar razões para defender a obra de Tarantino. Sobretudo, no que concerne a algumas das formulações de Tarantino neste filme que parecem se aproximar as suas outras montagens, sobretudo no caso de Pulp Fiction. Pura ilusão.
Confesso que sou fã de Tarantino. Eis aí um diretor desafiador num mundo cinematográfico ilustrado de infinitas chatices. Tarantino escapa ao cenário vivente com altas doses de patologias sociais, sobretudo às relacionadas com o sexo e à violência, para traduzir uma idéia que seja socialmente sensível. É o que vemos em Pulp Fiction, Bastardos Inglórios e Cães de Aluguel. Neste À Prova de Morte o que temos é um abuso de forma desrespeitoso com o público e com o próprio diretor. Ele fez uma piada e apenas ele ri. Ridículo.
 
  

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