segunda-feira, 2 de agosto de 2010

"Uma Noite em 67" Documenta Um Brasil Novo Com Rara Competência

Simplicidade e uma escolha minuciosa dos fatos para mostrar com rara fidelidade documental o contexto, as idéias, as contradições e os fatos (ora, os fatos!) relacionados com o famoso Festival de Música da Record de 1967. Do meu ponto de vista estes são os principais méritos do  documentário Uma Noite em 1967 (Brasil, 2010, direção de Ricardo Calil e Renato Terra).
A obra dos diretores é um desfile raro de celebridades (atuais) que oscilam entre a missão consciente e imediata de ganhar aquele festival de música e a inconsciente construção de um cenário ou era nova na música popular brasileira. Roberto Carlos, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Chico Buarque, Edu Lobo, Os Mutantes e tantos outros, prestam um enorme serviço ao esclarecer o cenário e as matizes sociais, políticas, estéticas, culturais e antropológicas de um país pós-64 que se transformava além das suas próprias expectativas. Note-se que toda aquela turma estava com seus vinte e poucos anos, mas já lustrava uma maturidade muito além daquela que vemos hoje a frequentar os bancos universitários.
O documentário, como já dissemos, é simples e vai ao ponto: as entrevistas concedidas pelos protagonistas à época do festival e "cruzadas" com outras atuais são, de forma incrível, muito bem elaboradas no que tange ao que se questiona em cada época. A prestação do esclarecimento é feito com muita competência, elegância e muito humor. Apesar de ser um documentário é possível rir muito de certas situações e fatos. Além disto, se é possível acreditar que ali em 67 sobrava inteligência e percepção aguda sobre os fatos, é ainda melhor constatar que as contradições da época são mostradas ao mesmo tempo com as imagens e com os diálogos. O espectador pode oscilar entre o que vê e escuta e tirar suas próprias conclusões, algo fundamental quando assistimos a documentários.
Aquele Brasil da ditadura era paradoxalmente moderno e arcaico. Nota-se isto quando se vê a distância entre os que os entrevistadores (Cidinha Campos, Randal Juliano e Reali Jr.) da época perguntavam aos participantes do festival e as respostas ligeiras, espertas e inteligentes dos cantores/compositores. Caíam as muralhas do óbvio e se revelava um mundo realmente contemporâneo. A ditadura não parou isto. Quando nos transportamos para os dias atuais vemos que a coisa na tela se modernizou muito no que tange à forma, mas que é notória a carência de novas idéias com conteúdo valorativo. Não se trata de saudosismo, mas apenas de uma apreciação crítica sobre o que estamos a assistir. Fico até pensando se os "marqueteiros" de hoje deixariam que um festival como aquele, sem nomes famosos ou consolidados e com uma música primeva, poderia prometer a audiência medida pelos institutos de pesquisa. O "novo", mesmo que com feições algumas vezes arcaicas, é inusitado e arriscado. O documentário de Kalil e Terra mostram que ele também é possível. Vejam bem: naquele festival Chico Buarque e Edu Lobo (que o venceu) eram os "velhos" do pedaço. Caetano e Gil os "modernos". A viola era a trincheira da defesa da brasilidade na música e a guitarra o ícone imperialista.
Quando eu saí do cinema fiquei com um sentimento duplo em relação a este belo documentário: uma saudade sem melancolia com uma vontade louca de topar com algo novo. Isto é possível e desejável. Acho até que não tem nada a ver com os moderninhos que andam por aí.
   

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