Recentemente repassei trechos da magnífica biografia política de Josef Stálin, escrita pelo consagrado escritor marxista Isaac Deutscher,(1907-1967) que além de sua famosa obra sobre Stálin também biografou LéonTrotsky e fez reputados ensaios sobre o Império Soviético. Um trecho me chamou à atenção em especial. Fazia referência ao escritor Maxim Gorki (1868-1936), famoso escritor e revolucionário, companheiro de primeira hora de Lênin no seu projeto de instalação do regime comunista na Rússia. A certa altura, depois da ascensão de Stálin ao poder , Gorki passou a criticá-lo por meio de seu jornal Novaia Jizn. A resposta de Stalin foi feroz, vulgar e insultante. Em discurso perante seus correligionários afirmou literalmente:
"A revolução russa derrubou muitas autoridades. Seu poder se expressa, entre outras coisas, no fato de que não se dobra diante de "grandes nomes". A revolução recrutou-os a seu serviço ou reduziu-os a nada se não desejavam a aprender com ela." (O grifo é meu).
O filme romeno Contos da Era Dourada (2010, dirigido por cinco diretores romenos, Cristian Mungiu, Hanno Höfer, Constantin Popescu, Ioana Uricaru e Razvan Marculescu) trata exatamente da redução ao nada sobre o qual pregou Stalin. Os contos são uma criação que parece exótica sobre a realidade da Romênia nos anos 80 quando o país estava submetido à ditadura de Nicolae Ceausescu (1918-1989). O filme assume de forma irreverente a forma de comédia muito embora esteja a tratar da mais pura realidade social e política daquele feroz regime comunista.
Em meio às crises de desabastecimento, à falta de dinheiro e de oportunidade para os mais jovens, à ausência de satisfação mínima aos anseios individuais dos cidadãos e à crise moral que reveste os aparelhos do Estado, os diretores conseguem destilar um refinado espírito crítico cheio de humor e ironia. Uma missão que parece relativamente difícil, mas de fato não é. Afinal, o que se chamava de regime proletário não passa de uma combinação trágica e, ao mesmo tempo, cômica de uma realidade objetiva e incontestável. O lado cômico diz respeito às faces histrônicas e pretensiosas do Poder espalhado pelo território que ocupa. A face trágica diz respeito ao atolamento dos indivíduos pelo regime e a violência que se expressa no cotidiano mais singelo às transações políticas mais nefastas. Tudo sob o silêncio oculto e imperativo de um regime personalíssimo (tal qual no tempo de Stalin).
Ainda é tempo de se fazer uma reflexão sobre o desenvolvimento dos projetos daquilo que outrora se denominou de regimes revolucionários. Neste filme temos os feitos contados por meio de humorados contos cinematográficos. Todavia, há muito mais que ser falado. Os regimes comunistas nos provaram que a a Utopia do proletariado se descarrilou em ditaduras cruéis que escravizaram o povo e cultivaram e cultuaram as personalidades mais obscuras do século XX (Stalin, Mao liderando o ranking) juntamente com Hitler. No final das contas tivemos a destruição de velhas ordens por meio da barbárie e a instalação de regimes novos que foram a barbárie. Há ainda no mundo que encoste o seu pensamento na ilusão de que havia ali algo civilizatório na política e no desenvolvimento social. Nunca houve. Apenas o ovo da serpente brotou e trouxe as suas conseqüências mais horrendas. Estamos hoje livres para constatar isto, mas ainda não estamos livres daqueles que ainda acreditam nestas moléstias.
Os contos deste filme não são dourados e nem a era é dourada. Apenas o humor é nobre. Exatamente para tratar de aspectos e fatos sórdidos. Dura ironia.
domingo, 14 de novembro de 2010
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