Chet Baker (1929-1988), nascido Chesney Henry Baker Jr, abusou da sua própria capacidade musical. Ele foi um dos maiores jazzists das décadas de 1950 e 1960. Um gênio musical que somou uma incrível simplicidade musical com um extraordinário repertório de interpretações magistrais. Suas notas saíam do trompete e do flugelhorn como uma garrafa de champagne desce doce e suave pela garganta dos apreciadores da bebida francesa.
A vida de Baker foi o oposto de sua suavidade musical. Percorreu prisões por conta das muitas (e múltiplas) drogas que experimentou por quase todas as vias possíveis. Perdeu os dentes depois de um espancamento por não ter saldado suas dívidas com os fornecedores de drogas. Mesmo assim, o vento doce (e cheio de talento) de sua garganta nunca deixou de percorrer o fluxo por dentro do trompete e o flugelhorn. Na literatura jazzística, Chet Baker ocupa lugar maior, marcante e sedutor. Sua voz, experimentada em memoráveis músicas, tais como, But Not For Me ou I Fall in Love Too Easily, arregimentava amantes da música e da vida na curtição de beijos e mais beijos. Simplesmente lindo e para quem sabe das coisas. Ezra Pound (1885-1972), o genial crítico literário norte-americano, escreveu em ABC of Reading, uma espécie de "manual sobre literatura", que "(...) o canto clarifica a literatura quando ambos se conservam unidos. Força o ouvinte a atentar para as palavras, quando mais não seja pela repetição, e isso até a extrema deliqüescência, em que o músico, desesperado possivelmente de encontrar um autor inteligente, abandona as palavras de todo e usa sons inarticulados." Nada mais apropriado para falar de Chet Baker, seja o cantor, seja o músico dos sopros suaves. Com uma ressalva: a sua "inarticulação" sonora é a própria coerência amorosa das notas da partitura. Um gênio, enfim.
Por estes dias, em viagens intermináveis de avião, pude ler Chet Baker - Memórias Perdidas (Jorge Zahar Editor, 2002) . Trata-se de um compêndio, meio desarticulado no que se refere ao tempo, coletados pela esposa de Baker, Carol, que teve a grandeza de projetar um pouco da alma do músico por meio de seu "diário sem compromissos com dias, datas ou ordem." As memórias foram publicadas em 1997 e jogam um pouco de luz sobre aquele homem cheio de angústias, sofrimentos e comportamentos enlouquecidos. Interessante nestes extratos é notar que a percepção de Baker para a importância destes não é nada banal. Ao contrário: de fatos comuns ele revela a importância destes para a sua própria existência (ou desejo de existência). Não é um livro fascinante. Nada disso. É um livro revelador que se lido aos sons de Baker nos colocam diante de uma dialética que combina o tufão de uma vida com a maestria doce de suas músicas. Nada mais misterioso. Nem sempre a arte imita a vida, não é mesmo?
Se fosse possível, de minha parte, eu pediria que Chet Baker jorrasse de sua eternidade um pouco de luz sobre a sua morte a 13 de maio de 1988. Seu corpo despencou da janela do hotel em que estava hospedado em Amsterdã e chocou-se contra a calçada. Foi suicídio, acidente ou crime? Bem, a polícia deixou-nos algumas conclusões, mas o mistério sobre Chet, sua vida e morte estão à solta para os amantes do jazz. Por estes dias da vida de viajante passei pela Rue de la Huchette em Paris onde Chet Baker tocou no Le Chat Qui Pêche. As coisas por ali não estão muito mudadas. Em meio aos bares e pontos de encontros não há nem o silêncio para verificarmos se sobrou alguma nota de Chet no entorno da rua e nem o ruído estrondoso de sua existência. Há apenas a elegância rara de Paris que soma movimento e o destino literário de suas ruas e vielas. Uma espécie de lembrança que define bem quem foi Chet Baker...
quarta-feira, 26 de janeiro de 2011
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