Há aqueles que criticam o vazio e o consumismo do filme Sex and the City 2 (EUA, 2010, direção de Michael Patrick King, com Sarah Jessica Parker, Kristin Davis, Kim Cattrall, Cynthia Nixon, Jason Lewis, David Eigenberg e Chris Noth). Há aqueles, ainda, que se divertem com o filme e disfarçam as suas próprias ambições, o desejo de cada um ser aquilo que assistem e as suas próprias frustrações em não viverem o que as mulheres-personagens saboreiam intensamente. Bom, estas são duas percepções que podemos extrair do ponto de vista "negativo" do filme. Todavia, há algo no ar que sai das salas de exibições no sentido norte das sociedades modernas. Como nos ensina Gilles Lipovetsky em seu livro "Tempos Hipermodernos":
"(...)a modernidade passou para uma velocidade superior em que tudo hoje parece ser levado ao excesso: são os hipermercados, o hiperterrorismo, as hiperpotências, o hipertexto, hiperclasses, enfim, o hipercapitalismo. O que isso significa? Que a modernidade não tem mais limites, não tem mais críticas fundamentais em relação a si mesma".
Estamos inseridos neste mundo onde a significação intrínseca das coisas é a própria coisa, o seu sabor imediato, o seu caráter hedonista e que se esgota com grande impacto e de forma instantânea. Os limites da modernidade inexistem e são transportados para o interior de cada ser. As personagens do filme nada mais são do que o espelho concreto (e ao mesmo tempo imaginário) da sociedade que vivemos. E se não vivemos ainda nesta sociedade, por quanto esta pode nos ser inacessível, há ainda a ambição e o desejo que podemos motivar dentro de nossa alma.
Sex and City 2 é uma aposta ainda mais ambiciosa na "coisificação" do espírito, na excessiva individualização da vida. Em certos momentos aquelas mulheres parecem estar reunidas para "curtir" juntas os prazeres de uma viagem exótica. Todavia, elas estão sós, sem maiores divagações coletivas e, de momento em momento, olham para os lados para verificar se o script da hipermodernidade está sendo cumprido: as roupas e bolsas da moda são oportunidade inequívoca de se afirmarem, os comportamentos tem de estar enquadrados em uma moldura, ao mesmo tempo, previsível e obrigatória. A realidade é esta e ponto final.
Os esterótipos são reais e efetivos: a viagem aos Emirados Árabes Unidos é a manifestação mais cristalina de tudo isto. Os árabes são travestidos de idiotas, o exótico é incorporado como se fosse um adereço e as personagens secundárias estão ali para servir aquelas moradoras de New York. O sexo oscila entre o comportamento falsamente moralista de Carrie (Sarah Jessica Parker) e a volúpia descabida e possível da personagem de Kim Catrall. Esta última já beira a menopausa, mas tenta conter o inevitável do tempo com suas 34 pílulas diárias de hormônios. Mais um pouco poderia engravidar, mas o que ela quer mesmo é o pênis alheio.
Tudo isto pode parecer novo, mas nem tanto é. William Shakespeare, já sentenciava na voz de Lady Macbeth na cena II de sua famosa peça:
" Nada se ganha e tudo se perde, quando nosso desejo fica satisfeito sem contentamento.Mais seguro é ser o objeto que destruímos, mais seguro do que habitar uma alegria duvidosa, construída pela destruição."
Não sejamos tão céticos ao assistir este filme. Incorporemo-nos por entre os objetos e nos deixemos consumir. Nem importa que Sarah Jessica Parker (Carrie) não seja tão deslumbrante (tem as pernas excessivamente tortas), que Cynthia Nixon (Miranda) esteja visivelmente acima do peso, que Kristin Davis (Charlotte) manifeste explícita masculinidade ou, até mesmo, a Kim Catrall (Samantha) seja apenas uma mulher ex-sexy e, até mesmo, meio caída.
Nesta infinita aparência do filme, podemos nos divertir e assistir os passos dos personagens que incorporamos na nossa própria vida. A produção bem acabada do filme, sem nenhuma invenção cênica ou estilística, nos dá a oportunidade de nos ocuparmos em desejar, e se pudermos, consumir tudo que lá está. (Atenção: o filme tem quase três horas!). Neste contexto, sequer a defesa das liberalidades hipermodernas tem conteúdo valorativo: o casamento gay, logo no início do filme, não passa de uma ocasião para revelar toda frivolidade vivente. O espetáculo da festa seria homofóbico não fosse tão sintonizado com a forma e a aparência hipermoderna. Os gays também são objetos de consumo.
Por fim, podemos pensar no que as mulheres que empreenderam as primeiras lutas feministas poderiam pensar sobre Sex and City 2. A revolução que elas preconizaram quis jogar o "ex-sexo fraco" dentro do sistema de trabalho e dos valores culturais dominados pelos machos. Sex and City 2 não apenas mostra como demonstra que a tarefa daquelas revolucionárias foi cumprida. Com a vantagem de que não há muros de Berlim para tombarem. As mulheres continuam a viajar, a fazer sexo selvagem, a comprar roupas caras e a trabalhar para pagarem tudo isto. O universo que nós temos é este e não há ninguém que queira mudá-lo. Os machos simplesmente entenderam a jogada. Fazem o jogo com algum prazer e muito cinismo.
terça-feira, 8 de junho de 2010
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