Ricardo Darín é certamente um dos atores mais completos da América Latina e, ao meu ver, nivela-se entre os grandes do cinema atual. O argentino consegue absorver, trabalhar, transformar e projetar os seus personagens com invejável talento. Até parece que ele aprisiona a capacidade cognitiva dos espectadores, os quais se identificam instantaneamente com as situações e os personagens, e atrai, seja do passado, do presente ou do futuro, os espectadores para compartilhar a estória (ou história). Uma identidade difícil entre o ator, o personagem e a audiência. Foi assim, especialmente, em O Segredo de Seus Olhos (2009), O Filho da Noiva (2001) e Kamchatka (2002).
Desta feita o assistimos na deliciosa comédia Um Conto Chinês (2011,Argentina-Espanha, Escrito e Dirigido por Sebastián Borensztein, com Ricardo Darín, Ignacio Huang e Muriel Santa Ana). O filme conta a aparentemente pacata vida de um vendedor de ferragens, personagem marcado por uma implacável rotina diária que lhe preenche a vida e, ao mesmo tempo, o torna intolerante perante seus clientes, as banalidades de sua atividade e os ritos domésticos. Nesta composição entre a aparente simplicidade e o seu comportamento irascível surge um chinês em sua vida. Algo inusitado e cheio de uma espécie de realismo fantástico: o chinês era noivo em sua terra natal e sua amada morre de forma inusitada - não cabe aqui contar "como" o que perturbaria o humor dos espectadores. De repente, em busca de seu tio, o chinês se vê perdido em Buenos Aires, sem saber o espanhol e sem acesso ao endereço dele. Uma trajetória que se entrelaça com a do personagem de Ricardo Darín. Este solitário, intolerante e, paradoxalmente, sentimental, vê-se "invadido" em sua rotina pessoal e profissional por aquele chinês frágil que lhe arrebata irritação, incompreensão e inação. Há soluções, é claro. Todavia, estas dependem da vontade e crescente envolvimento com o drama alheio o qual, pouco a pouco, vai se formando. O desenlace não é surpreendente, mas desafiador: de repente, o vendedor de ferragens se revela a si mesmo. Ao tentar compreender o chinês acaba por compreender a sua própria alma. Sendo assim, pode se libertar e mergulhar num novo mundo, incluindo a aquisição da vontade de amar e ser amado, coisa simples que exige uma decisão complexa.
O roteiro do filme cria uma cadência elegante, sem provocar longas risadas, mas mantendo a união constante de um argumento provocador com diálogos e situações inteligentes e com profundidade na ironia. A partir de um pequeno mundo, o roteiro é capaz de explicar o mundo em sua totalidade e, de sobra, a nós mesmos. Uma arte difícil se concretiza na tela e possibilita que saiamos do cinema felizes, sorridentes e identificados com a nossa realidade. Sem traumas, cheios de esperança às nossa indagações. Ou melhor, como ensina Susan Suntag: "as únicas respostas interessantes são aquelas que destroem as nossas perguntas". Aconteceu com Darín neste filme. Pode acontecer conosco.
quinta-feira, 8 de setembro de 2011
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