O tempo é raro para aqueles que gostam de ler. Reconheça-se, ademais, que em uma época onde prevalece o estresse do cotidiano e as obrigações mais imediatas, o descanso mais fácil é encontrado nas telas das TVs e nos encontros mais informais entre as pessoas.
Todavia, o encontro do leitor com o seu objeto amado, o livro, ainda pode exalar um extraordinário celeiro para a reflexão e a imaginação. Se isto será superado nos tempos vindouros, deixemos o futuro para o próprio futuro.
Pois bem: Legisladores e Intérpretes (de Zygmunt Bauman, 1987, Editora Zahar, publicado em português no Brasil em 2010) é daqueles livros densos que conseguem fazer, ao mesmo tempo, uma reflexão profunda e necessária sobre os nossos tempos.
Ao contrário do que possa sugerir o título, não se trata de um livro jurídico. O seu conteúdo é uma reflexão intelectual sobre a modernidade, a pós-modernidade e o papel dos intelectuais na interação com estes processos.
Os intelectuais podem ser vistos de diversas formas e este seccionamento proporciona, por conseguinte, diferentes visões que ao mesmo tempo ampliam o nosso entendimento, bem como o reduzem para parâmetros estabelecidos para cada uma destas visões/reflexões.
Zygmunt Bauman, cidadão polonês e residente no Reino Unido, professor emérito da Universidades de Varsóvia e Leeds, escolhe um caminho diferente e interessante. Preocupa-se o autor em entender o papel do intelectual no contexto variante da modernidade e da pós-modernidade. Este entendimento não significa de forma alguma traçar uma espécie de tipologia sobre este papel. Este seria um tratamento por demais estático, mesmo que este seja útil ao entendimento em certas ocasiões. A preocupação do autor é a de perceber e refletir sobre a dinâmica do pensamento nestes contextos factuais do próprio desenvolvimento social, político, artístico e filosófico. A realidade é um dado que influi sobre o pensamento, mas para os intelectuais os seus efeitos são mais essenciais.
A partir do Iluminismo, os intelectuais sempre protagonizaram (ou procuraram fazê-lo) o chamado vanguardismo inerente à própria confiança na sua capacidade criativa, sustentada na ciência e nos processos racionais que dela decorrem. Poderia-se minerar várias consequências desta visão, mas Bauman prefere selecionar deste contexto vanguardista a característica, metaforicamente construída, de "legislador". Esta palavra expressa o conceito da classe dos intelectuais, o papel de "árbitro" dotado de autoridade (ou de autoritarismo) para conduzir, guiar e totalizar uma forma de pensamento que se torna socialmente difundido. Reconhece, assim, o autor que esta legitimidade resultou, na era moderna, de seu "conhecimento superior" e de sua capacidade em tornar este conhecimento em uma espécie de verdade frente às sociedades. Este vanguardismo não encontrou barreiras para os intelectuais: estes lideraram, legislaram e pronto.
Na pós-modernidade este processo se altera, sem excluir o seu papel "legislador" anterior, para aquilo que Bauman chama de "interpretação". Por ele, o intelectual não mais se orienta para escolher a melhor ordem social, política, artística, etc. A preocupação se volta para a promoção do conhecimento e para que sejam evitadas as eventuais distorções deste no processo de comunicação. Neste novo contexto, os intelectuais não podem (não estão mais capacitados, de fato) a construir modelos de universalização conceitual em diversos campos do conhecimento humano (ciência, filosofia, moral, estética, etc.). Note-se, mais uma vez, que Bauman supõe a convivência dos dois modelos que constrói: o intelectual continua como um legislador e, ao mesmo tempo, é um intérprete. Tudo depende do contexto sociológico com o qual se defronta o intelectual, o que abrange as variantes de "ocidente e oriente", as "formas de organização das sociedades", "a forma de produção de conhecimento" e outras mais.
Finalmente, cabe aqui dizer que Zygmunt Bauman não cria uma hierarquia histórica ou valorativa (ontológica) entre a modernidade e a pós-modernidade. Afora a própria dificuldade que isto geraria na identificação se de fato a segunda "superou" a primeira, Bauman reconhece que nada pode ser conclusivo quando se confronta ambas. Não é um toque de humildade intelectual, é honestidade em relação ao tratamento das eventuais evidências sobre o que é moderno e pós-moderno.
Neste tempo em que a imponderabilidade sobre a própria dinâmica social e cultural se acentua, num contexto "paradoxal" em que a ciência, a técnica e os lumières permanecem atuantes, a reflexão de Bauman é uma bela oportunidade para se pensar e entender algumas coisas cotidianas. Em outras palavras: pouca ação podem os intelectuais engendrar para "explicar e legislar sobre o mundo" à luz da destruição dos cânones artísticos, culturais, políticos e sociais na pós-modernidade. Com efeito: a própria incerteza é a única certeza.
Esta constatação pode ser angustiante para os participantes do processo social, mas o é muito mais para os intelectuais.
Vale a pena ler Bauman.
terça-feira, 8 de novembro de 2011
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário