O crítico literário e jornalista inglês Samuel Johnson (1709-1784) fraseou que "nada é pequeno demais para uma criatura tão pequena quanto o homem." Esta frase pode se aplicar a diversas situações, mas pode ser lembrada a cada um dos filmes de Charles Chaplin (1889-1977) e ao conjunto de sua obra.
A pequeneza do homem traduzida em diversos aspectos, no amor e ódio, na política, na economia, na vida social, nas artes, na ausência de urbanidade e assim vai. Carlitos, uma das maiores criações do cinema em todos os tempos, é a expressão pessoal e universal de um humanismo vasto e reflexivo que extrapolou as telas e passou ao cotidiano do homem a partir de uma forma que inicialmente sugeriria ser a da comédia. Afora este personagem, Chaplin forjou na película outros magníficos personagens tais quais O Grande Ditador (1940) e Monsieux Verdoux (1947) nos quais a temática não sofreu enormes variações, muito embora os roteiros já falados tenham se alterado e ganhado contornos igualmente marcantes e geniais dos filmes mudos.
Neste ano comemoramos os 80 anos de Luzes da Cidade (1931) e os 90 anos de O Garoto (1921), ambos dramáticos e pensados para espelhar as contradições dos tempos frente ao capitalismo em crise das décadas de 1910, 1920 e, sobretudo, nos anos 1930. Chaplin soube captar os fatores de exclusão do capitalismo, tal qual tão bem foi retratado no genial Tempos Modernos (1936), uma exposição dos intestinos da máquina de produção moderna.
Não é nada fácil, em meio aos turbilhões históricos pelos quais as sociedades passam, extrair e perceber as origens e consequências das tragédias e expressá-las de forma sobremaneira humana e crítica. Charles Chaplin construiu a essência de sua obra em meio à decadência do Império Britânico, às duas guerras mundiais e a maior depressão econômica e social de que se tem notícia. Foi dos valores sociais e individuais que Carlitos, com sua bengala e roupas frouxas, pode olhar cinematograficamente o ser humano e de forma criteriosa e crítica colocá-lo frente a frente com a realidade dura e cruel. Eis uma forma recheada de conteúdo!
O homem de Chaplin não é nada cômico. Este parece absolutamente solapado pelo sistema econômico, social e político em que vive. Não à toa, o Senador Joseph Macarthy, de triste memória na perseguição de esquerdistas, e J. Edgar Hoover, o temido chefão do FBI, viam naquelas pálidas figuras dos filmes de Chaplin a imagem de um comunista (que talvez Chaplin fosse mesmo). De fato, a utopia traduzida na vasta filmografia de Charles Chaplin (mais de 100 filmes), estava a atacar, do meu ponto de vista, o homem por dentro. Cenas famosas, como o discurso dO Grande Ditador, a prisão dO Garoto e a famosa troca de olhares entre Carlitos e a florista cega em Luzes da Cidade me parecem endereçada ao homem defronte da tela. Uma espécie de tentativa de conversão e sedução da audiência aos preceitos de um certo humanismo necessário à percepção do ego humano. Logicamente esta é apenas uma leitura possível de Chaplin. Há aqueles que preferem o revestimento social de seus filmes, dos cenários às vestimentas dos personagens e, neste aspecto, tem toda razão. Todavia, parece-me que toda a cena dramática transborda mais o humanismo, este o aspecto mais longevo que sobrevive na obra de Chaplin. Notório é o fato de que a edificação da maioria dos roteiros dos filmes de Chaplin não começavam a ser filmados como algo acabado. Ao contrário, Chaplin zelava pela improvisação e pelo ajuste refinado que criava durante as filmagens para espelhar o que pretendia dizer em relação às suas mensagens, digamos, humanistas. Nos tempos modernos da internet e dos protocolos abertos, pode-se verificar o quão moderno era o pequeno homem inglês.
A crise capitalista mostra, neste início de século XXI, mais uma vez a sua ira. Mais de 30 milhões de desempregados estão desesperançados em função da crise que explodiu em 2008, fruto de um progresso desmensurado e sem função social (e humana), bilhões de pessoas vivem em condições aquém daquilo que chamamos de civilização humana e, ainda, verificamos que há uma insensibilidade considerável das classes dirigentes para os dramas que surgem em meio aos sistemas políticos e sociais. Em meio a tudo isso, Chaplin respira profundamente, diante da própria "pequeneza do homem", segundo a frase de Johnson que inaugura este texto. Eis uma chance para assistirmos aos filmes dele e nos sensibilizarmos, quem sabe, diante de nossa própria e sofrida humanidade. A vida pode ser mais doce e feliz.
quarta-feira, 16 de novembro de 2011
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