terça-feira, 8 de janeiro de 2013

Liv & Ingmar, Poeticamente Conectados

Foi o cineasta soviético Andrei Tarkovsky (1932-1986) uma das maiores influências de Ingmar Bergman, apesar de o primeiro ser bem mais jovem que o sueco. Tarkovsky considerava, por sua vez, a obra prima Persona de Bergman um dos maiores filmes de todos os tempos. Ambos os autores tinham preferência pela linguagem metafórica e poética. Para eles as ideias, sentimentos, percepções não podiam ser contidas pela linguagem simbólica, pela utilização de signos e ícones. Nessa diapasão, os filmes de ambos tem conteúdo vasto, às vezes com a aparência de imperceptíveis, outras tantas sinalizam um vazio (existencial?) que, de fato, são recheados de substância, de coisas verdadeiras. Aqueles que veem os seus filmes sentem-se recompensados em poder refletir sobre a realidade humana de forma expansiva e gritantemente significativa. Um cinema que poucos fazem e outros poucos veem. Um cinema para se pensar...
Ao assistir o documentário Liv & Ingmar - Uma História de Amor (Reino Unido/Noruega/Índia, 2012, dirigido por Dheeraj Akolkar) o que vemos é uma declaração de amor da atriz Liv Ullmann na direção de Bergman. Ela conviveu com o grande diretor sueco por mais de 42 anos e fez 12 filmes sob a direção dele. Os anos de convivência incluem os 5 nos quais a atriz esteve casada com Bergman. Foi neste tempo de casamento que o sueco disse-lhe que eles estariam "dolorosamente conectados" por toda a vida. De fato, os anos de casados foram dolorosos, fruto da crescente solidão imposta por Bergman à Ullmann, na casa destes na isolada Ilha de Faro na Suécia, bem como pelos acessos de ciúmes (ele era 21 anos mais velho). Muito embora o casamento houvesse despencado num insucesso, foi desta convivência que aos poucos Liv Ullmann extraiu um profundo amor, um sentimento de crescente cumplicidade amorosa e intelectual, matéria-prima de seus filmes em conjunto e da própria relação que foi construída nos anos subsequentes.
A meu ver, este longa metragem de Dheeraj Akolkar (de fato, é o primeiro deste diretor indiano), não é propriamente um "documentário". Trata-se essencialmente de um depoimento sentimental de Liv Ullmann em relação a um silente Bergman, cuja voz não aparece sequer uma vez durante todo o filme apenas imagens que guardam uma relação com a estética dos filmes por ele dirigidos. É uma declaração de amor adornada de contradições (suas brigas e discussões), de docilidade (a candura das conversas reportadas, os telefonemas e cartas), de respeito e admiração, bem como de uma profunda saudade de um tempo que se foi e que de muitas forma ficou na vida da atriz norueguesa. O espectador perde o sentido do tempo histórico e não muito bem se localiza relativamente à carreira de cada um dos "personagens". De fato, o tempo mais importante é o poético (na linguagem de Tarkovsky) do qual se pode alimentar a alma pensando no significado do amor numa relação que ultrapassa as fronteiras objetivas da vida deles (e da nossa própria). Neste sentido, este documentário lembra Pilar e José (2011) do documentarista português Miguel Gonçalves. Este filme talvez tenha penetrado com mais profundidade na intimidade amorosa do casal que morava na Ilha de Lanzarote na Espanha. Todavia, ambas as obras contém uma seiva vívida de amor que pode ser percebida não apenas nas palavras proferidas, mas sobretudo nos olhos marejados de quem fala.
A temporada de 2013 nas salas de cinema de São Paulo começou muito bem. Estamos diante de um belo filme. Daqueles que se deve assistir em silêncio e com grande atenção, dispensando inclusive a sonora pipoca que em nada ajuda à compreensão da alma. 

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