"Magna Charta Libertatum seu Concordiam inter regem Johannen at barones pro concessione libertatum ecclesiae et regni angliae". Este é o nome do documento em torno do qual gravita o roteiro de Robin Hood (EUA, 2010, dirigido por Ridley Scott, com Russell Crowe, Cate Blanchett, Max Von Sydow e William Hurt). Trata-se da "Grande Carta das liberdades, ou Concórdia entre o rei João e os Barões para a outorga das liberdades da Igreja e do rei Inglês", ou simplesmente "Carta Magna" de 1215, assinada na Inglaterra entre o rei João Sem Terra e os nobres de seu reinado. Tal documento foi o primeiro, dentre os mais importantes, a traçar os limites básicos do constitucionalismo moderno. Nela estão contidos os deveres e direitos relacionados à aplicação da justiça, à cobrança de impostos, ao direito de ir e vir (habeas corpus) e à disposição generalizada da justiça e do direito aos cidadãos.
No contexto político de então, Ridley Scott arma o seu cenário: Robin não é ainda Hood, mas Locklsley. Não vive na floresta de Sherwood, mas inicialmente na companhia do Rei Ricardo Coração de Leão e, posteriormente, sente-se moralmente obrigado a cumprir uma missão de lealdade, a partir da qual, o filme segue mais celeremente e de forma empolgante. A alternativa escolhida por Scott não deixa de ser notável, na medida em que fugiu das mesmices que acompanham os filmes produzidos posteriormente aos malabarismos de Errol Flynn no filme "As Aventuras de Robin Hood" de 1938. Há na filmografia de Hollywood pelo menos cinco filmes que tentaram, em diferentes épocas, construir a imagem do "bom ladrão" de Sherwood. Mais recentemente (1991) Kevin Costner criou um patético Robin, mais afeito às temperaturas amorosas que aos recantos de Sherwood.
Se, de um lado, Ridley Scott, consegue fugir ao tradicionalismo dos roteiros do herói, de outro, este passo não é neutro: o que vemos na tela é um personagem mais sóbrio, menos romântico (troca pouquíssimos beijos com o seu par romântico) e muito mais cavalheiro que cavaleiro. Sua flecha continua precisa nos intentos justiceiros que empreende, mas este é mais um recurso de imagem que o "centro" do roteiro. Há, mesmo sendo um filme para o grande público, traços políticos neste Robin. Sua percepção está alinhada com o povo que o cerca e ele é um credenciado político entre o baronato e o instável e sanguinário rei. Sabe ser republicano - perdoe-me o trocadilho.
Apesar do rosto mais sério de Robin Locksley, o filme é divertido e consegue entreter, apesar do barulho da pipoca do vizinho e de sua mastigada sonora. A fotografia é perfeita, os cenários, sobretudo os externos são adequados às pretensões de Scott, e os fatos contados estão muito bem editados do ponto de vista do tempo e do espaço. Interessante notar que os velhos truques cênicos e de câmera de Ridley Scott estão todos reproduzidos no filme. Em certos momentos a comparação com Gladiator são inevitáveis, ou mesmo, há sensação de que regressamos ao antigo filme sobre o Império Romano decadente.
Cinema foi feito para divertir, mesmo que isto não lhe retire o dever de esposar a alegria de estar diante da tela com certo espírito crítico e elevado. O Robin Hood de Scott consegue cumprir a sua parte. Acertou no alvo.
domingo, 23 de maio de 2010
sábado, 22 de maio de 2010
O Documentário "Utopia e Tragédia" Trata do Ópio
Karl Marx afirmou que a religião era o ópio do povo. Parafraseava Hegel e Feuerbach. A religião era vista como uma anima que acalenta o espírito crítico e joga o homem na alienação. Em 1955, o filósofo francês Raymond Aron (1905-1983) escreve O Ópio dos Intelectuais no qual coloca a pecha alienante no marxismo e sentencia que "o marxismo é o ópio dos intelectuais". Ainda hoje a análise marxista seduz substancial parte da intelectualidade e pode-se afirmar que o marxismo é uma espécie de religião, cujo principal dogma é a convicção de que é possível construir um novo homem, não a partir de Deus, mas a partir de uma construção intelectual feita da ideologia.Ler a história é algo difícil. Percebê-la é tarefa árdua e algumas vezes impossível. Fazê-la pode parecer muito mais fácil.
O documentário Utopia e Tragédia, dirigido e produzido por Silvio Tendler é um caudaloso relato da história mundial e brasileira desde a última guerra mundial. Nele os conflitos humanos, políticos e militares são como digressões de uma narrativa, ao mesmo tempo cheia de esperança (e não propriamente utopia) e ideologia. Uma coisa é nítida: a tragédia humana está lá e, mesmo que a conheçamos muito, ainda é doloroso vê-la através da lente de um cineasta? os corpos dilacerados, decapitados e torturados.
Sílvio Tendler (1950- ) é o autor de alguns dos mais importantes documentários brasileiros, notadamente Os Anos JK e Jango. Em Utopia e Tragédia ele ilustra de forma mais evidente a sua própria personalidade de cineasta na medida em que faz o tempo correr em parâmetros bem pessoais: na velocidade que estabelece, na seleção particular dos fatos e, sobretudo, utilizando-se de uma interpretação de tais fatos com fortes temperos utópicos. Demorou 19 anos para concluir este documentário. Todavia, este ainda parece estar na sua fase primeva.
Para Tendler a utopia é o pano de fundo, conforme já escrevemos. Para quem assiste ao documentário a sensação é que toda aquela utopia não passa de uma esperança, de um devaneio ou, até mesmo, de um delírio. Se houve o holocausto dos judeus não é porque houve uma utopia nazista, mas um louco e assassino delírio que atendia aos anseios libertadores do povo germânico. Se duas bombas atômicas caíram sobre o Japão, não foi em função da utopia salvacionista de "milhares de vidas dos jovens americanos" (Truman), mas porque os EUA se firmavam como potência dominante, inclusive do ponto de vista militar. Bom, é possível que a primavera de Praga tenha engendrado utopias, mas é pouco provável que o famoso maio de 68 em Paris tenha ido além de um mal desenhado anarquismo estudantil.
Aqui, pelos lados da América Latina, a utopia da esquerda não era apenas limitada, mas assumida pela esquerda como uma fatalidade da história e não como processo de construção. A leitura de Marx ou do Livro Vermelho de Mao Tse Tung não engendrava utopias, mas maquinava idéias de como alçar vôo rumo ao poder que, uma vez assumido, legitimaria massacres como os de Stálin e Mao. Não tenhamos ilusões. Hoje, ainda podemos ver cá no Brasil que a esquerda é apenas uma caricatura ideológica que nada tem de utópica.
Obviamente, sabemos que os anti-utópicos acabaram vencendo a peleja, mas isto não se deu em detrimento de uma utopia que existia do lado de lá. Ao contrário, a ideologia socialista e comunista era de um realismo sanguinário. Sejamos sinceros, ora pois. Nixon, Pinochet, Medici, Vedela, etc. e outros comparsas foram ditadores competentes na tarefa de prender, torturar, matar e exilar. Nunca apregoaram uma utopia, em que pese a propaganda tão apreciada pelas elites. Prá Frente Brasil é slogan de qualidade criativa em meio a fatos históricos deploráveis. Nada mais, nada menos.
Assim sendo, falta a Tendler um espírito crítico mais refinado e disposto a rever os fatos e separar farsas e acontecimentos e, cuidadosamente, dissecá-los sem as vendas ideológicas que brilharam em seu documentário. Sobra elegância narrativa, falta visão crítica. Tudo soa como os sons da juventude: cheios de vigor e inconsciência. O espectador merecia mais depois de tanto tempo e tanta história. Tendler se comporta como um jovem: seduz, mas não explica. Este filme vale a pena ser assistido, mas se faz necessário que o espírito desperte depois de assisti-lo para não se cair na tentação de ficar no devaneio da história. Há algo de ópio no ar.
Por fim, utopia e tragédia não parecem lados de uma mesmo moeda da história. Vendo o filme, tudo se parece mais como um trem descarrilado, onde a locomotiva da história segue freneticamente em frente, enquanto os vagões da direita e da esquerda são arrastados. Certamente chegamos ao destino do futuro, mas não conseguimos entender o passado. A melhor representação desta imagem são os depoimentos de Apolônio de Carvalho e Dilma Rousseff: estão encantados com o seu próprio tempo, mas não conseguiram entendê-lo.
Marx e Aron ainda estão a debater sobre os efeitos do ópio, sobre a alienação do povo e dos intelectuais e o filme de Sílvio Tendler é uma evidência disto.
O documentário Utopia e Tragédia, dirigido e produzido por Silvio Tendler é um caudaloso relato da história mundial e brasileira desde a última guerra mundial. Nele os conflitos humanos, políticos e militares são como digressões de uma narrativa, ao mesmo tempo cheia de esperança (e não propriamente utopia) e ideologia. Uma coisa é nítida: a tragédia humana está lá e, mesmo que a conheçamos muito, ainda é doloroso vê-la através da lente de um cineasta? os corpos dilacerados, decapitados e torturados.
Sílvio Tendler (1950- ) é o autor de alguns dos mais importantes documentários brasileiros, notadamente Os Anos JK e Jango. Em Utopia e Tragédia ele ilustra de forma mais evidente a sua própria personalidade de cineasta na medida em que faz o tempo correr em parâmetros bem pessoais: na velocidade que estabelece, na seleção particular dos fatos e, sobretudo, utilizando-se de uma interpretação de tais fatos com fortes temperos utópicos. Demorou 19 anos para concluir este documentário. Todavia, este ainda parece estar na sua fase primeva.
Para Tendler a utopia é o pano de fundo, conforme já escrevemos. Para quem assiste ao documentário a sensação é que toda aquela utopia não passa de uma esperança, de um devaneio ou, até mesmo, de um delírio. Se houve o holocausto dos judeus não é porque houve uma utopia nazista, mas um louco e assassino delírio que atendia aos anseios libertadores do povo germânico. Se duas bombas atômicas caíram sobre o Japão, não foi em função da utopia salvacionista de "milhares de vidas dos jovens americanos" (Truman), mas porque os EUA se firmavam como potência dominante, inclusive do ponto de vista militar. Bom, é possível que a primavera de Praga tenha engendrado utopias, mas é pouco provável que o famoso maio de 68 em Paris tenha ido além de um mal desenhado anarquismo estudantil.
Aqui, pelos lados da América Latina, a utopia da esquerda não era apenas limitada, mas assumida pela esquerda como uma fatalidade da história e não como processo de construção. A leitura de Marx ou do Livro Vermelho de Mao Tse Tung não engendrava utopias, mas maquinava idéias de como alçar vôo rumo ao poder que, uma vez assumido, legitimaria massacres como os de Stálin e Mao. Não tenhamos ilusões. Hoje, ainda podemos ver cá no Brasil que a esquerda é apenas uma caricatura ideológica que nada tem de utópica.
Obviamente, sabemos que os anti-utópicos acabaram vencendo a peleja, mas isto não se deu em detrimento de uma utopia que existia do lado de lá. Ao contrário, a ideologia socialista e comunista era de um realismo sanguinário. Sejamos sinceros, ora pois. Nixon, Pinochet, Medici, Vedela, etc. e outros comparsas foram ditadores competentes na tarefa de prender, torturar, matar e exilar. Nunca apregoaram uma utopia, em que pese a propaganda tão apreciada pelas elites. Prá Frente Brasil é slogan de qualidade criativa em meio a fatos históricos deploráveis. Nada mais, nada menos.
Assim sendo, falta a Tendler um espírito crítico mais refinado e disposto a rever os fatos e separar farsas e acontecimentos e, cuidadosamente, dissecá-los sem as vendas ideológicas que brilharam em seu documentário. Sobra elegância narrativa, falta visão crítica. Tudo soa como os sons da juventude: cheios de vigor e inconsciência. O espectador merecia mais depois de tanto tempo e tanta história. Tendler se comporta como um jovem: seduz, mas não explica. Este filme vale a pena ser assistido, mas se faz necessário que o espírito desperte depois de assisti-lo para não se cair na tentação de ficar no devaneio da história. Há algo de ópio no ar.
Por fim, utopia e tragédia não parecem lados de uma mesmo moeda da história. Vendo o filme, tudo se parece mais como um trem descarrilado, onde a locomotiva da história segue freneticamente em frente, enquanto os vagões da direita e da esquerda são arrastados. Certamente chegamos ao destino do futuro, mas não conseguimos entender o passado. A melhor representação desta imagem são os depoimentos de Apolônio de Carvalho e Dilma Rousseff: estão encantados com o seu próprio tempo, mas não conseguiram entendê-lo.
Marx e Aron ainda estão a debater sobre os efeitos do ópio, sobre a alienação do povo e dos intelectuais e o filme de Sílvio Tendler é uma evidência disto.
quinta-feira, 6 de maio de 2010
A Guerra Civil Espanhola Num Bom Livro
A esgarçadura do tecido social das nações e as suas trágicas conseqüências sempre foi um desafio para a análise e detecção dos fatos que provocaram a radicalização de correntes e segmentos políticos. A escolha dentre os fatos históricos estudados não é um processo seletivo simples. Certos movimentos, fatos e processos podem parecer determinantes para a eclosão de mudanças, mas nem sempre são. E vice-versa. Isto porque a política tem um andamento marcado por nuances que vão do proselitismo de seus partícipes até fatores que contribuem para consolidar mudanças estruturais e novos paradigmas. No caso dos processos revolucionários estas características se tornam ainda mais difíceis de serem destrinchados. O historiador não pode cair na cilada de agir nem como um repórter dos fatos e nem analisá-los como se estes fossem processos econômicos, sociais ou políticos. Há que se ter muita arte.
A Batalha pela Espanha – A Guerra Civil Espanhola 1936-1939 (The Battle for Spain – 2006 – Editora Record- Tradução de Maria Beatriz de Medina) do escritor inglês Antony Beevor é uma interessante obra que conta em detalhes a guerra civil da Espanha. O escritor é um ex-militar, membro do notável regimento dos Hussardos do exército britânico e autor de Berlim 1945: A queda e O mistério de Olga Tchekova e Stalingrado. Todos os livros do autor receberam aplausos dos críticos e boa recepção dos leitores em todo o mundo.
O livro é uma obra detalhada e que segue a cronologia dos fatos, amarrando-os de forma relativamente segmentada: relata a evolução das campanhas militares entre os Nacionalistas de Francisco Franco e os Republicanos, o amontoado de partidos de esquerda, bem como a lógica do poder e a sua conquista (ou não) por parte de cada uma destas correntes. Note-se que a Alemanha de Hitler fez a sua reestréia militar depois da I Guerra Mundial nos campos espanhóis, apoiando Franco e estabelecendo com ele uma relação solitária relativamente aos países democratas de então, sobretudo o Reino Unido. De outro lado, a jovem nação socialista, a Rússia, abria o seu front mais a oeste. Era a guerra fria de então.
A Espanha durante o final do século XIX e até meados dos anos 30 do século seguinte passou por mudanças bruscas, da Monarquia decadente para a República incipiente, pela dinamização das classes sociais dentro de um processo de urbanização, pela formação de sindicatos atuantes, pelas divisões e subdivisões dos partidos políticos (da extrema esquerda à direita reacionária) e pela crescente interferência do poder militar sobre o civil. Não houve naquele país nenhuma força centrífuga na política que evitasse a cristalização das posições de cada lado e o subseqüente choque militar que resultou numa das mais cruéis e fraticidas guerras civis no Velho Continente.
Estudar este processo é interessantíssimo não apenas para entender a Espanha de então e de hoje, mas também para perceber os enormes erros de diagnósticos dos políticos (e militares) no que se refere ao processo social e político. Destes erros nasceu a ausência de qualquer visão civilizada que neutralizasse os extremos e viabilizasse uma saída reformista. Beevor relata tudo isto e dá ao leitor múltiplas possibilidades anlalíticas, inclusive a de transportar para a nossa realidade atual algumas das visões equivocadas da direita e esquerda de então na Espanha e de seus parceiros estrangeiros.
Por fim, vale mencionar que Antony Beevor, dada a sua formação militar, dá um peso substantivo às estratégias militares e o desenrolar das batalhas. Isto torna o livro um pouco confuso em alguns momentos para os leitores leigos sem que isto comprometa o resultado abrangente ofertado ao público.
A guerra nunca é fascinante. Todavia, os processos por ela engendrados são fascinantes para aqueles que pensam as ciências sociais ou estão interessados na história de seu próprio país. Não fosse o custo humano, a guerra seria um jogo educativo no qual os resultados são sempre negativos, mas determinantes da história. Entendê-los é entender as contradições e sínteses das sociedades. Eis uma leitura interessante, muito além das suas pretensões específicas.
terça-feira, 4 de maio de 2010
Alice no País das Maravilhas: Tecnologia e Fantasia
Alice no País das Maravilhas (Alice in Wonderland, EUA, 2010, dirigido por Tim Burton, com Mia Wasikowska, Johnny Depp e Helena Bonham Carter) é uma produção espetacular. O filme em 3D é um show contínuo que mistura uma estória bem estruturada com uma tecnologia de ponta que é capaz de conter até mesmo as emoções. Pouco importa o percurso de Alice no reino da Rainha Vermelha. A captura do espectador ocorre, tal qual em Avatar, por meio da impecável e detalhada produção. Sequer sinto-me capaz de tecer maiores observações sobre a direção do comemorado diretor Tim Burton. Nem mesmo o constrangedor óculos escuros retira o prazer de acompanhar a evolução do filme. (Diga-se de passagem que o óculos cumpre duas funções: assistir ao filme nas suas três dimensões e lembrar o espectador que o arcaico ainda persiste entre nós. Graças a Deus!).
Alice é uma criação extraordinária de Lewis Carroll (1832-1898). O livro foi lançado em 1865 e, desde então, tornou-se referência magna na literatura infantil. Interessante que os dois livros de Carroll (cujo nome verdadeiro era Charles Lutwidge Dodgson), Alice no país da maravilhas e As Aventuras de Alice Embaixo da Terra são recheados de mensagens cifradas, enigmas, equações matemáticas e proposições de lógica. Um livro para crianças que possibilita aos leitores adultos (que lêem inglês) decifrar outros achados não-literários. Voltemos ao filme.
O grande tema de Alice é a relação entre fantasia e realidade. O fato de ser um filme em tese para crianças não lhe retira os predicados mais humanos e profundos: lá estão o bem e o mal, a esperança e o desespero, a malícia e a pureza e assim vai.
A bem da verdade, a mistura de uma estória tão iluminada do ponto de vista criativo com uma tecnologia impressionante que nos joga nos olhos as imagens em três dimensões não seria uma necessidade. A fantasia ilumina a mente e faz voar. Bastam as palavras para que a criança exale para si mesmo o bom cheiro da imaginação. Neste contexto, um filme 3D acaba por separar a fantasia do próprio show cinematográfico. Não há sequer tempo mental para que nos recaia uma fantasia no filme de Burton. As imagens tecnológicas são a essência do filme e não a fantasia. Aliás, diante do peso de tantos artifícios, a fantasia em verdade se esvai.
Monteiro Lobato (Reinações de Narizinho), Herman Melville (Moby Dick), Robert Louis Stevenson (A Ilha do Tesouro), Daniel Delfoe (Robinson Crusoé) e tantos outros grandes escritores infanto-juvenis não precisaram de um filme em três dimensões para alimentar e engrandecer a fantasia de tantas gerações. Suas palavras, fossem lidas em silêncio ou escutadas dos lábios doces de mães e pais, eram capazes de produzir imagens variadas na mente de cada um. Tudo com o impulso da idéia transmitida e da sonoridade das palavras. Uma benção. A glória de um autor.
Todavia, a história não faz concessões aos fatos. as coisas são como são: as três dimensões estão aí e é para ficar. Resta saber se a ela sobreviverá a fantasia. Isto dependerá sobretudo da habilidade e inteligência dos diretores em incorporar a mística que os autores deixaram na forma de livros. No caso de Alice isto não foi conseguido. A realidade e não a fantasia é despejada para o público, o qual parece agradecer encantado com os rigores tecnológicos que produziram um cenário inesperado. Pegar um livro e ler está parecendo coisa para dinossauros.
Alice é uma criação extraordinária de Lewis Carroll (1832-1898). O livro foi lançado em 1865 e, desde então, tornou-se referência magna na literatura infantil. Interessante que os dois livros de Carroll (cujo nome verdadeiro era Charles Lutwidge Dodgson), Alice no país da maravilhas e As Aventuras de Alice Embaixo da Terra são recheados de mensagens cifradas, enigmas, equações matemáticas e proposições de lógica. Um livro para crianças que possibilita aos leitores adultos (que lêem inglês) decifrar outros achados não-literários. Voltemos ao filme.
O grande tema de Alice é a relação entre fantasia e realidade. O fato de ser um filme em tese para crianças não lhe retira os predicados mais humanos e profundos: lá estão o bem e o mal, a esperança e o desespero, a malícia e a pureza e assim vai.
A bem da verdade, a mistura de uma estória tão iluminada do ponto de vista criativo com uma tecnologia impressionante que nos joga nos olhos as imagens em três dimensões não seria uma necessidade. A fantasia ilumina a mente e faz voar. Bastam as palavras para que a criança exale para si mesmo o bom cheiro da imaginação. Neste contexto, um filme 3D acaba por separar a fantasia do próprio show cinematográfico. Não há sequer tempo mental para que nos recaia uma fantasia no filme de Burton. As imagens tecnológicas são a essência do filme e não a fantasia. Aliás, diante do peso de tantos artifícios, a fantasia em verdade se esvai.
Monteiro Lobato (Reinações de Narizinho), Herman Melville (Moby Dick), Robert Louis Stevenson (A Ilha do Tesouro), Daniel Delfoe (Robinson Crusoé) e tantos outros grandes escritores infanto-juvenis não precisaram de um filme em três dimensões para alimentar e engrandecer a fantasia de tantas gerações. Suas palavras, fossem lidas em silêncio ou escutadas dos lábios doces de mães e pais, eram capazes de produzir imagens variadas na mente de cada um. Tudo com o impulso da idéia transmitida e da sonoridade das palavras. Uma benção. A glória de um autor.
Todavia, a história não faz concessões aos fatos. as coisas são como são: as três dimensões estão aí e é para ficar. Resta saber se a ela sobreviverá a fantasia. Isto dependerá sobretudo da habilidade e inteligência dos diretores em incorporar a mística que os autores deixaram na forma de livros. No caso de Alice isto não foi conseguido. A realidade e não a fantasia é despejada para o público, o qual parece agradecer encantado com os rigores tecnológicos que produziram um cenário inesperado. Pegar um livro e ler está parecendo coisa para dinossauros.
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