terça-feira, 4 de maio de 2010

Alice no País das Maravilhas: Tecnologia e Fantasia

Alice no País das Maravilhas (Alice in Wonderland, EUA, 2010, dirigido por Tim Burton, com Mia Wasikowska, Johnny Depp e Helena Bonham Carter) é uma produção espetacular. O filme em 3D é um show contínuo que mistura uma estória bem estruturada com uma tecnologia de ponta que é capaz de conter até mesmo as emoções. Pouco importa o percurso de Alice no reino da Rainha Vermelha. A captura do espectador ocorre, tal qual em Avatar, por meio da impecável e detalhada produção. Sequer sinto-me capaz de tecer maiores observações sobre a direção do comemorado diretor Tim Burton. Nem mesmo o constrangedor óculos escuros retira o prazer de acompanhar a evolução do filme. (Diga-se de passagem que o óculos cumpre duas funções: assistir ao filme nas suas três dimensões e lembrar o espectador que o arcaico ainda persiste entre nós. Graças a Deus!).
Alice é uma criação extraordinária de Lewis Carroll (1832-1898). O livro foi lançado em 1865 e, desde então, tornou-se referência magna na literatura infantil. Interessante que os dois livros de Carroll (cujo nome verdadeiro era Charles Lutwidge Dodgson), Alice no país da maravilhas As Aventuras de Alice Embaixo da Terra são recheados de mensagens cifradas, enigmas, equações matemáticas e proposições de lógica. Um livro para crianças que possibilita aos leitores adultos (que lêem inglês) decifrar outros achados não-literários. Voltemos ao filme.
O grande tema de Alice é a relação entre fantasia e realidade. O fato de ser um filme em tese para crianças não lhe retira os predicados mais humanos e profundos: lá estão o bem e o mal, a esperança e o desespero, a malícia e a pureza e assim vai.
A bem da verdade, a mistura de uma estória tão iluminada do ponto de vista criativo com uma tecnologia impressionante que nos joga nos olhos as imagens em três dimensões não seria uma necessidade. A fantasia ilumina a mente e faz voar. Bastam as palavras para que a criança exale para si mesmo o bom cheiro da imaginação. Neste contexto, um filme 3D acaba por separar a fantasia do próprio show cinematográfico. Não há sequer tempo mental para que nos recaia uma fantasia no filme de Burton. As imagens tecnológicas são a essência do filme e não a fantasia. Aliás, diante do peso de tantos artifícios, a fantasia em verdade se esvai.

Monteiro Lobato (Reinações de Narizinho), Herman Melville (Moby Dick), Robert Louis Stevenson (A Ilha do Tesouro), Daniel Delfoe (Robinson Crusoé) e tantos outros grandes escritores infanto-juvenis não precisaram de um filme em três dimensões para alimentar e engrandecer a fantasia de tantas gerações. Suas palavras, fossem lidas em silêncio ou escutadas dos lábios doces de mães e pais, eram capazes de produzir imagens variadas na mente de cada um. Tudo com o impulso da idéia transmitida e da sonoridade das palavras. Uma benção. A glória de um autor.
Todavia, a história não faz concessões aos fatos. as coisas são como são: as três dimensões estão aí e é para ficar. Resta saber se a ela sobreviverá a fantasia. Isto dependerá sobretudo da habilidade e inteligência dos diretores em incorporar a mística que os autores deixaram na forma de livros. No caso de Alice isto não foi conseguido. A realidade e não a fantasia é despejada para o público, o qual parece agradecer encantado com os rigores tecnológicos que produziram um cenário inesperado. Pegar um livro e ler está parecendo coisa para dinossauros. 


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