Alice no País das Maravilhas (Alice in Wonderland, EUA, 2010, dirigido por Tim Burton, com Mia Wasikowska, Johnny Depp e Helena Bonham Carter) é uma produção espetacular. O filme em 3D é um show contínuo que mistura uma estória bem estruturada com uma tecnologia de ponta que é capaz de conter até mesmo as emoções. Pouco importa o percurso de Alice no reino da Rainha Vermelha. A captura do espectador ocorre, tal qual em Avatar, por meio da impecável e detalhada produção. Sequer sinto-me capaz de tecer maiores observações sobre a direção do comemorado diretor Tim Burton. Nem mesmo o constrangedor óculos escuros retira o prazer de acompanhar a evolução do filme. (Diga-se de passagem que o óculos cumpre duas funções: assistir ao filme nas suas três dimensões e lembrar o espectador que o arcaico ainda persiste entre nós. Graças a Deus!).
Alice é uma criação extraordinária de Lewis Carroll (1832-1898). O livro foi lançado em 1865 e, desde então, tornou-se referência magna na literatura infantil. Interessante que os dois livros de Carroll (cujo nome verdadeiro era Charles Lutwidge Dodgson), Alice no país da maravilhas e As Aventuras de Alice Embaixo da Terra são recheados de mensagens cifradas, enigmas, equações matemáticas e proposições de lógica. Um livro para crianças que possibilita aos leitores adultos (que lêem inglês) decifrar outros achados não-literários. Voltemos ao filme.
O grande tema de Alice é a relação entre fantasia e realidade. O fato de ser um filme em tese para crianças não lhe retira os predicados mais humanos e profundos: lá estão o bem e o mal, a esperança e o desespero, a malícia e a pureza e assim vai.
A bem da verdade, a mistura de uma estória tão iluminada do ponto de vista criativo com uma tecnologia impressionante que nos joga nos olhos as imagens em três dimensões não seria uma necessidade. A fantasia ilumina a mente e faz voar. Bastam as palavras para que a criança exale para si mesmo o bom cheiro da imaginação. Neste contexto, um filme 3D acaba por separar a fantasia do próprio show cinematográfico. Não há sequer tempo mental para que nos recaia uma fantasia no filme de Burton. As imagens tecnológicas são a essência do filme e não a fantasia. Aliás, diante do peso de tantos artifícios, a fantasia em verdade se esvai.
Monteiro Lobato (Reinações de Narizinho), Herman Melville (Moby Dick), Robert Louis Stevenson (A Ilha do Tesouro), Daniel Delfoe (Robinson Crusoé) e tantos outros grandes escritores infanto-juvenis não precisaram de um filme em três dimensões para alimentar e engrandecer a fantasia de tantas gerações. Suas palavras, fossem lidas em silêncio ou escutadas dos lábios doces de mães e pais, eram capazes de produzir imagens variadas na mente de cada um. Tudo com o impulso da idéia transmitida e da sonoridade das palavras. Uma benção. A glória de um autor.
Todavia, a história não faz concessões aos fatos. as coisas são como são: as três dimensões estão aí e é para ficar. Resta saber se a ela sobreviverá a fantasia. Isto dependerá sobretudo da habilidade e inteligência dos diretores em incorporar a mística que os autores deixaram na forma de livros. No caso de Alice isto não foi conseguido. A realidade e não a fantasia é despejada para o público, o qual parece agradecer encantado com os rigores tecnológicos que produziram um cenário inesperado. Pegar um livro e ler está parecendo coisa para dinossauros.
terça-feira, 4 de maio de 2010
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