segunda-feira, 5 de julho de 2010

De Sica: Genial, Humano e Elegante

O encontro da arte com a política sempre foi um tema complexo, mesmo que se reconheça de forma relativamente generalizada que não há possibilidade de separá-los. No caso específico do cinema, a projeção na tela é talvez uma das manifestações mais efetivas da realidade/arte humana. Não há como um diretor fugir do zeitgeist (espírito do tempo) em que vive.
O neorealismo italiano foi um dos movimentos de pensamento sobre o cinema que mais revolucionou a forma de pensar da "sétima arte". Seus principais expoentes, Luchino Visconti, Roberto Rosselini e De Sica deitaram raízes da realidade social e política na película de projeção. Um movimento marcado pelo excesso de criatividade e de coragem temática em meio ao desenvolvimento da moderna Itália. Daí para o mundo. Seus filmes influenciaram grandes diretores comtemporâneos, dentre os quais, Elia Kazan (Sindicato de Ladrões, Um Bonde Chamado Desejo), Paul Mazursky (Mulher Descasada, Tempestade), Woody Allen (Bananas), Steven Spielberg (Lista de Schindler) e tantos outros. Juntamente com a Nouvelle Vague, o neorealismo raiou como um sol de meio-dia e esquentou o debate sobre cinema com a sua estética arrojada e visão política e social.
O italiano Vittorio De Sicca (1901-1974) foi certamente o príncipe deste movimento: a beleza de seus filmes somada a uma personalidade instigante, sedutora e inteligente são marcos essenciais do movimento neorealista. É isto que está retratado com grande elegância, talento e vasto conteúdo no documentário Vittorio de Sica - Minha Vida, Meus Amores (Itália, 2010, dirigido por Mario Canale e Anna Rosa Mori). Esta dupla de diretores já assinou outro documentário que possuiu a mesma estética sobre Marcello Mastroianni (Marcello - Uma Vida Doce).

O documentário é fascinante como o diretor italiano. Pode-se perceber toda a humanidade de De Sica. O documentário mostra o diretor traçando cuidadosamente a cenas de seus filmes com o carinho que se dispensa a um bebê. Sabia colocar a câmera no olho da idéia e, a partir daí, variava a forma conforme o imperativo daquilo que desejava transmitir. Era jogador compulsivo e perdeu nas mesas dos cassinos grandes fortunas a ponto de fazer filmes bem comerciais para pagar as suas dívidas. Teve e amou duas mulheres ao mesmo tempo e de ambas teve filhos. Era capaz de dar o seu sobretudo para um morador de rua, um ato de abnegação sem a costumeira promoção que se extrai deste tipo de atitude no ambiente pop dos dias de hoje. Era um aristocrata no vestir e agir, mas amava os atores desconhecidos que protagonizavam os seus filmes, muitas vezes em detrimento de estrelas consagradas.
Do meu ponto de vista seus melhores filmes são Ladrões de Bicicleta, Umberto D. (sobre seu pai) e Milagre em Milão. Entretanto, Matrimônio à Italiana Ontem, Hoje e Amanhã são igualmente brilhantes.
Acredito que é uma espécie de dever republicano o cinema refletir sobre a realidade política e social, preservando, ao mesmo tempo, a elegância e o "estranhamento" na forma. Quando assistimos a um filme que nos ilustra o que vivemos em seus detalhes ganhamos um sentido de totalidade que perdemos nesta era em que a fragmentação dos meios e a avareza dos fins está por destruir o próprio ser humano. Por dentro e por fora. De Sica sabia disto e mostrou sem medo de errar. 

Um comentário:

Anônimo disse...

Petros,
tinha De Sica como um bom ator italiano. Não tinha registrado o conjunto de sua obra, realmente impresionante, e a influência que teve sobre outros diretores. Jeap.