segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Amy Winehouse, Lady Night

O saxofonista norte-americano Lester Young (1909-1959), com quem Billie Holiday gravou cerca de cinquenta canções, apelidou a prima donna do jazz de Lady Day. O apelido não sucumbiu à própria vida pessoal de Holiday, revestida por uma angústia perene fruto, que sabe?, de sua infância miserável e sofrida, tristemente revestida por um estupro aos doze anos. O abuso do álcool e da heroína dragaram Billie, como se vela fosse: iluminava, mas se consumia.
Lembrei-me desta imagem e do apelido de Billie Holiday quando soube da morte de Amy Winehouse. Uma lembrança apenas.
Amy Winehouse tinha um talento estelar. Sua voz oscilava entre um sopro nasalizado que saía pela garganta e fazia a música que lhe acompanhava um adereço. Poderia cantar, a meu ver, qualquer estilo musical, exceto, é claro, o erudito, cujas virtudes exigidas são outras. Neste particular sentido, Amy se aproximava de Billie Holiday. Basta escutar yesterdays, cantada por Billie para percebermos o quão limitada ficava a melodia musical quando confrontada com a expressão vocal da cantora. Amy Winehouse também exalava, em algumas de suas interpretações, a voz muito acima da melodia algo como Billie Holiday. Por exemplo, Just Friends de seu CD Back to Black.
Billie Holiday é um mito construído sobre uma obra magnífica e uma vida despedaçada. Amy Winehouse tem uma obra pequena, embora muito bonita, sobre a qual a mídia tenta construir um mito.
Há o que se falar sobre ela, a partir desta vã mitologia entre o céu e a terra,  mas nada que possa ir além de um amálgama entre doses cavalares de vulgaridade, um comportamento transviado desprovido de consequências socialmente relevantes e uma combinação imperfeita entre as drogas com as quais se fartava, as baixarias que estrelava e a mídia sempre pronta a contar tudo isso. Neste sentido, Winehouse não tinha a menor consideração com o seu público e, muito menos, com o seu próprio talento.
A sua morte as 27 anos parece moldada para que ela pudesse se juntar ao rol de outros mitos que morreram com a mesma idade. Puro factóide, típico destes tempos em que Rupert Murdoch, o magnata da imprensa, noticia o que espiona. A notícia não é mais notícia, é uma espécie de show no qual cabe inclusive a criação do editor, apresentador ou seja lá quem for.
Se aos ouvidos, Amy Winehouse, soa elegante e interessante, do ponto de vista de sua imagem não há nada de intrinsecamente valoroso, simbólico ou que possa representar uma ideia nova. Nada de fictício ou imaginário que ela criou se transformou, personificadamente ou não, em uma projeção de luz que de alguma forma sirva de guia social ou político. Um caso completamente diverso de Janis Joplin, apenas para citar um exemplo de mitos que morreram aos 27. Amy não é um mito. Sua morte foi uma extraordinária notícia para o jornal da noite da TV. Mundo globalizado, notícia estonteante. 
Há ainda a relação de Winehouse com as drogas. Convenhamos que qualquer comportamento abusivo tem algo de patológico. Todavia, analisar estas patologias é uma outra coisa. É possível penetrar no tema por diversas portas e cada uma delas vai dar numa saída diferente. Porém, todas as saídas vão de encontro ao fato essencial de que há um doente em cada uma delas. Muita apologia se faz em relação às drogas, mas o nível de consumo dos tempos atuais indica que a coisa toda está muito distante das práticas tribais de outrora e que servem, em certos círculos "moderninhos", de justificativa para se pregar a normalidade no consumo de cocaína, heroína, maconha, álcool e assim vai. Winehouse não era trágica como Billie Holiday quando vista aos tropeços em seus shows desastrosos. Era uma pálida figura humana, digna de ser resgatada pelo SAMU 192 e levada para um centro de tratamento. A tragédia de Holiday era, por assim dizer, definitiva. A de Amy Winehouse era uma construção da qual o distinto público gostava de participar e a mídia de cobrir. Nada indicava que pudesse ser definitiva. Uma confluência entre o desejo de um espetáculo grotesco e explícito e a condescendência que reza que "nada deve (ou pode) ser feito". Janis Joplin mostrava-se desgarrada do amanhã não porque consumia drogas e mais drogas. Ela tinha o medo do obscurantismo do futuro que a fenecia no presente. Ela fazia pensar e pensar. Amy Winehouse divertia um público cruel com sua doença, sem que nada dissesse ou cantasse que transcendesse o próprio ato de consumir. Joplin um mito, Amy apenas uma humana e doente figura. Melhor escutá-la em CD e nada mais, nenhuma palavra a mais, pois o resto era vulgar como suas roupas, suas cusparadas e suas poses de pernas abertas.
Triste fim o de Amy que talvez pudesse ter sido evitado, talvez até mesmo com o fim de sua rápida, veloz e brilhante carreira. Billie Holiday será sempre Lady Day. Por algum tempo, Amy Winehouse poderá ser a telúrica Lady Night. 
     

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