quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Os 100 Anos de Triste Fim de Policarpo Quaresma

Sou fã das efemérides. Datas comemorativas são preciosas oportunidades de nos lembrarmos de algo relevante no passado e lançarmos pensamentos ao futuro e sobre ele.
Neste ano comemoramos o centenário do lançamento de O Triste Fim de Policarpo Quaresma, livro magnífico construído pelos folhetins publicados por Lima Barreto (1891-1922) entre agosto e outubro de 1911. 
Tenho enorme fascinação por Lima Barreto. Ele me parece uma espécie de "oásis" em meio ao Brasil pós-escravidão e uma Nação ainda na manjedoura de uma República edificada pelas elites, sem povo e sem instituições. Lima Barreto é, por assim dizer, um símbolo da rebeldia em meio a tudo isto, um anarquista cheio de coragem e arrojo. Sua escrita é verdadeiramente natural, saída da pena que combinava fluidez no estilo, sem concessões aos padrões francófilos das camadas sociais elevadas de então, com uma temática "verde e amarela" capaz de ser elegante na linguagem coloquial que denunciava o sofrimento dos mais pobres e sofridos desta terra. Deveria ser um exemplo, uma estandarte das lutas que tentam tornar o nosso país mais justo e solidário.
O Triste Fim de Policarpo Quaresma é uma das (poucas) obras literárias brasileiras que "pulam" à frente do gosto popular, antes do reconhecimento da crítica e dos detentores da "interpretação intelectual". Policarpo é um personagem que ironiza a realidade de seu tempo e que revela que a vivência social no Brasil pós-República não passava de obra de impostores. Ao optar pela cultura dos indígenas, pelo violão, em detrimento da norma culta, Policarpo Quaresma  faz estridente um grito contra o status quo importado da sociedade brasileira. Tudo soa cômico, mas deveria era comover, inquietar e despertar.
Sua ironia é cortante, afiada, fértil. Mais fértil que as terras do sítio Sossego que engendra uma das principais passagens irônicas do livro, mas de onde não sai convincente produção agrícola. Policarpo participa da luta por uma República que o trai: ao defender os prisioneiros da revolta contra a nascente República, Quaresma é executado, acusado de traição pelo simples fato de ter denunciado ao Marechal das Alagoas Floriano Peixoto os fuzilamentos dos revoltados já derrotados . Tenta salvar e, ironicamente, é vítima de sua própria virtude. Enfim, todos os planos de Policarpo dão em nada. O ideal nacionalista é solapado por uma dura realidade, marcada pela brutalidade e pelas cercanias precisas do Poder. Não há, de fato, espaço para um sentimento republicano.
Das tensões do Brasil do início do século XX até as tensões do Brasil deste século, há muito sobre o qual se pode refletir. Lima Barreto em Policarpo adianta muito esta agenda de discussão e pensamento. Não fica amarrado a nenhum saudosismo e não prognostica nenhuma solução. Apenas escancara a realidade e a põe à prova nesta obra centenária e das mais importantes da literatura nacional. Há no livro uma mescla bem dosada que espelha o conservadorismo social de então e a trajetória de um sonhador que tenta reformá-lo. Não teve sorte porquanto sua luta era quixotesca. A vitória de Policarpo Quaresma vem muito depois, quiçá mais nestes seus 100 anos, depois que somos capazes de ver que as situações que Lima Barreto tentava consertar com a sua ironia de maldito e seu protesto literário ainda estão presentes neste país. 

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