segunda-feira, 1 de março de 2010

O Ótimo "O Segredo de Seus Olhos" Não Tem Segredo

Por detrás da forma doce e elegante da lente do filme O Segredo de Seus Olhos (El Secreto de Sus Ojos, Espanha-Argentina, 2009, dirigido por Juan José Campanella, com Ricardo Darín, Soledad Villamil, Pablo Rago, Javier Godino e Guillermo Francella) há outra realidade. Desejar não basta. É preciso ir na direção daquilo que desejamos (ou amamos).
Benjamin Esposito (Darín) investigou crimes ao longo de sua carreira judicial. Aposentado, decide se tornar escritor e retorna aos fatos e mistérios de um estupro e assassinato ocorrido há muitos anos. Trata-se de um caso resolvido, mas sem solução. Explico: após uma investigação que se inicia a partir de um álbum de fotografias, Esposito chega ao assassino. Prende-o e, assim, faz justiça ao sofrimento do noivo da jovem assassinada. Ledo engano: em pouco tempo o homicida é liberto para trabalhar para a repressão pós-golpe militar de 1976 na Argentina. Soma-se em Esposito uma sensação de completude (os fatos conhecidos) e de falta de entendimento sobre o desfecho do caso (a liberdade do criminoso). Mas, isto tudo é apenas aparência. Ao longo da estória, Esposito vê-se diante de um amor irrealizado, incompleto como o próprio caso policial. Sua chefe Irene Hastings não é apenas bela, mas é um poço de esperança de que Esposito revele seu amor e a tome nos braços e coloque-a em seu coração. Tudo é delicado e ambicioso naquele amor, mas falta a coragem de se revelar e partir para o cultivo do amor.
Todavia, o tempo passa e o agora aposentado Esposito vai de encontro ao tempo passado. 
Em O Segredo de Seus Olhos a estória transcorre com alguma passividade. O mistério não é grandioso. O espectador não fica em nenhum momento boquiaberto com as revelações que o roteiro faz. Ao contrário, há um óbvio transcorrer dos fatos. O segredo só pode mesmo estar nos olhos e não naquilo que vemos.



O diretor Campanella (o mesmo de O Filho da Noiva) soube sair da obviedade dos fatos para investir na tensão entre os personagens que se amam (Irene e Esposito). Se o investigador criminal foi rápido e preciso em selecionar dentre os suspeitos do assassinato um homem a partir de seu olhar numa fotografia, no caso de seu próprio amor, apenas os olhos de Irene não bastaram. Foi preciso que Esposito fosse carcomido pelo tempo para que ele reconhecesse muito além dos olhos de Irene, o próprio amor entre eles. Campanella, com habilidade metódica e cuidadosa consegue criar a tensão necessária para que ao assistir o filme possamos prender a respiração e esperar que Esposito se manifeste. Esta é a essência do segredo.
A sua forma, como já escrito acima, é elegante e apenas isso já faz muito de vez que há escassez de elegância nas artes em geral e no cinema em particular.
O cinema argentino está de parabéns há algum tempo. É incrível a qualidade não apenas da produção (que conta com os recursos espanhóis), mas sobretudo a versatilidade artística dos atores, bem como a sua expressão dramática. Não há as moças com silhuetas bem moldadas do cinema brasileiro, mas é fantástica a beleza cinematográfica daqueles lados portenhos. Por aqui sobra nudez e violência. Os argentinos estão a nos ensinar a fazer cinema, muito além do investimento em grana. Corro o risco de dizer, sem medo de errar, que não há atualmente nenhum ator com o porte dramático de Ricardo Darín entre nós. Que eu seja perdoado pelos eventuais Policarpos Quaresmas do cinema nacional, mas eu não consigo ver nenhum ator com as virtudes do protagonista de O Segredo de Seus Olhos. O mesmo valeria para Soledad Villamil se pelos nossos lados não tivéssemos Fernanda Montenegro. Solitária, que fique claro! Se no futebol, Pelé nunca foi superado por Maradona, no cinema somos um time de segunda divisão perante os hermanos
Não sei os méritos de O Segredo dos Seus Olhos o levarão à glória do Oscar. O jogo em Hollywood é barra pesada. Mas, uma coisa é certa: este filme supera a si próprio. Com um roteiro simples, o diretor carregou os excelentes atores para além dos personagens. Não é isto que esperamos quando nos sentamos no escuro para assistir as projeções?



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