segunda-feira, 1 de março de 2010

"Educação": Nada de Novo no Front

T.S. Eliot, o grande poeta anglo-americano, escreveu em 1951 Notes Towards the Definition of Culture (Notas Para a Definição da Cultura) que devemos "combater o delírio de que os males do mundo modernos podem ser consertados em um sistema de instrução. Uma medida que é desejável como paliativo, pode ser injuriosa se apresentada como cura (...). Há também o perigo que a educação - que na verdade está sob a influência da política - tome sobre si a reforma e a direção da cultura, em vez de se manter em seu lugar como uma das atividades por meio do qual a cultura se realiza." Desse ponto de vista a educação não pode ser a muleta que tenta corrigir a visão cultural de uma sociedade, mas é por ela, de forma não-exclusiva, que a cultura se realiza. 
O desenvolvimento da cultura de massas a partir dos anos 50, e sobretudo, nos anos 60 do século passado, proporcionou uma mudança radical na cultura e no comportamento. Dentre as múltiplas transformações cabe destacar aquela que mitificou a matéria e arrastou consigo o comportamento. Se no período anterior do século XX os valores sociais e pessoais "controlavam" o valor das coisas na sociedade burguesa, a partir dos anos 50, as coisas passaram ao campo espiritual, ou seja, adquiriram valores que antes eram dos homens. Estes últimos passaram de sujeito para objeto. Não à toa, toda fascinação passou a ser dispensada aos carros, às roupas (algumas exóticas), às casas e edifícios e à própria arte. Para que os homens "fossem" era preciso "possuir". Por sua vez "possuir" não significava manipular o valor das coisas, mas ser manipulado por elas. Docemente se realizou o que a revolução cultural tentava violentamente evitar. Havia algo de novo à frente, mas os homens passaram a ser vistos pelo retrovisor das estruturas que produziam em massa. 
É ao redor desta temática que transcorre o filme Educação (An Education, Inglaterra, 2009, dirigido por Lone Scherfig, com  Carey Mulligan, Peter Sarsgaard, Alfred Molina e Dominic Cooper). O filme é baseado nas memórias (com o mesmo título do filme) da jornalista inglesa Lynn Barber.
O filme conta a história de uma excelente estudante (Jenny) de uma escola tradicional inglesa que ao conhecer um homem mais velho (David), com seus 30 anos, se envolve não apenas com ele do ponto de vista afetivo, mas como passa a conviver com o "estilo de vida adulto deste". A freqüência aos concertos de música clássica, aos leilões de arte, às viagens de fim de semana, aos bons restaurantes londrinos tomam conta do imaginário daquela adolescente.
Seus pais compunham com ela o que se poderia chamar de uma "família tradicional de classe média", cujos valores passam a ser o contraponto à nova situação da jovem enamorada. Todavia, o charmoso David é hábil o suficiente para consolidar a sua sedução perante todos. Afinal, o fato de ser aparentemente abastado e com as "novas virtudes" demandadas pela sociedade em transformação dos anos 60 são capazes de converter não apenas Jenny, mas também o seu pai que ambiciona "o melhor" para a vida da filha, inclusive um bom casamento, e a sua mãe, uma dona de casa cercada de muralhas sociais por todos os lados e que vê uma oportunidade de ouro para que sua filha escape de seu próprio destino.
O mais notável desta trama é que a facilidade que temos para entender o que está a ocorrer com Jenny é a mesma que temos para compreender o porquê. De um lado se apresentam, o dicionário de latim, as aulas de literatura, o cultivo da boa música, da dança de salão e dos bons costumes. Tudo muito enfadonho para uma jovem fascinada com os tempos que terá de percorrer. De outro lado, temos o próprio "mundo novo", com as suas liberalidades sexuais, comportamentais e culturais. Neste "novo mundo", a arte não tem mais o valor intrínseco da expressão de um tempo ou de um sentimento. O valor da arte está expresso em libras esterlinas e corre solto pelos salões de leilões. O mesmo vale para os livros, a música, a gastronomia. Coitada de Jenny: é ela a ponte que liga toda a significação das coisas ao significante vazio deste novo mundo. David, fruto de uma paixão juvenil, e seus amigos dão valor a esta estudante menina-moça. O valor que está contido nas entranhas dos livros ou nas palavras precisas de seus professores de literatura servem a eles desde que lhes seja possível transformar em cifrões o conteúdo intelectual e estético da mocinha.
Jenny é tratada nos padrões escrupulosos de seus pais e na limitação evidente dos recursos materiais. Mesmo assim, lá no horizonte está Oxford, a faculdade que lhe elevará o padrão social. A classe média sonha e pode realizar, mas se houver facilidades pelo caminho tanto melhor. O atalho pode ser mais curto. Fosse assim, a sorte prevaleceria sempre e não seria uma exceção.
Dos anos 60 para cá temos de reconhecer que as aparências têm (muito) valor. Tanto ou mais valem quanto em relação à época que as revoltas e revoluções desejaram superar. Se houve progresso com as "revoluções culturais e políticas" dos famosos anos 60 temos de nos sujeitar ao fato de que não foram poucas as chagas que ficaram. A liberalização sexual, a individualização, a prevalência do hedonismo enquanto valor, etc, têm seu custo muito embora poucos estejam dispostos a calcular. Em lugar das aspirações liberais passou-se a ser aspirado pelas coisas. Alguma liberdade e outro tanto de novas obrigações perante a nova ordem. Como sempre foi.

Jenny aprendeu isto a duras penas. O seu querido David não era lá essas coisas: faltava-lhe o caráter de quem realmente deseja, sabe, conquista e liberta. Sequer a Paris imaginada pela adolescente versada na língua gaulesa escapa desta fatalidade. A Cidade das Luzes nada mais foi que o rito de passagem da menina para mulher. Sem pudor e, provavelmente, sem amor. 
É certo que o tempo não regride. O paradoxo mais sensível no campo temporal é aquele que nos dá a chance de sermos autores de nossa história, mesmo que o mais provável seja que nos tornemos vítimas dela. O único "retorno" que nos é possível é na direção de nossos valores. Diga-se: os nossos melhores valores. Pois bem: é retornando de seu exílio "moderno" e "vanguardista" que Jenny volta aos livros e à convivência com as suas aparentes dificuldades cotidianas: a escola, o estudo em sua escrivaninha, os trajes escolares e assim vai.
É quase impossível acreditarmos que se pode escapar da sedução do "novo". Quando estamos a falar da "nova era" ou da "nova cultura" torna-se imperativo que experimentemos do novo cálice de vinho. Ou melhor, da tragada da maconha. A educação por sua vez parece se tornar, num contexto de "superação dos tempos", um processo obsoleto, sofrido, penoso e sem esperança. Não há nos bancos escolares nenhuma satisfação para as novas aspirações juvenis. Este talvez seja o maior dilema de nossos tempos no que diz à educação. Talvez tenha sido sempre assim. Todavia, como nos ensina T.S. Eliot não cabe a educação ser aquela que corrige a cultura. Cabe-lhe o papel de realizá-la da maneira mais nobre. Quem sabe possamos nos reconciliar com aquilo que na Padéia grega era o centro da vida educacional: o bom, o belo e o justo. Parece simples, mas não é.

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