quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

A Batalha do Iraque no Território Americano

Enquanto a turma que pretende ser avant-garde de Hollywood faz a apologia de Guerra ao Terror (sobre o qual já comentamos neste blog), outro filme encara de frente a Guerra do Iraque. Guerra ao Terror pretende documentar fatos da vida dos guerreiros americanos na vergonhosa invasão norte-americana do Iraque. Acaba por tropeçar na própria pretensão e cai no vazio e nada lá é drama, é apenas tensão deslocada da realidade.
Em O Mensageiro (The Messenger, EUA, 2009, dirigido por Oren Moverman, com Ben Foster, Eamonn Walker, Jena Malone, Samantha Morton e Woody Harrelson), os personagens não precisam estar sob o fogo escaldante do deserto iraquiano para mergulhar no sombrio mundo da guerra. Podem estar nos subúrbios ou áreas centrais das cidades americanas, mas lá estarão no Iraque também.

O filme mostra a convivência entre um veterano da 1ª invasão do Iraque em 1990 (estrelado por Ben Foster), promovida pelo velho Bush e um outro veterano (personificado por Woody Harrelson) da guerra forjada por Bush Jr., o pior presidente da história norte-americana. Ambos estão engajados na fúnebre função de informar pessoalmente a morte dos soldados norte-americanos aos seus parentes. Tudo em nome da humanização de um fato desprovido de humanidade. Os soldados morreram numa guerra estúpida. Ponto. Todavia, para os ideólogos da belicosidade imperial dos EUA não basta o fato. É preciso tecer algumas poucas palavras e atos em prol dos falecidos. Para satisfazer às necessidades da aparência e  tentar salvar um pouco a cara de Washington, a capital.
De um lado, Will Montgomery (Foster), o veterano mais velho, vê tudo com o niilismo que cabe à situação, muito embora ele ainda redunde a sua visão aos limites de suas viseiras de obediente militar. Já o capitão Tony Stone (Harrelson) vê tudo aquilo com a angústia das contradições dos próprios fatos e pessoas. Ele sabe que a guerra é trágica e que aqueles parentes precisam mais do que informações sobre a morte dos soldados e as datas de seus respectivos funerais. É preciso salvar os vivos já que os mortos se foram. Ponto. 
Na convivência entre os dois veteranos o que se vê não é propriamente um conflito pessoal, mas a absoluta impossibilidade de conciliar as suas respectivas visões. Na caserna pode até existir a convivência pacífica e amiga entre os soldados. Contudo, na hora de informar pais, namoradas, esposas e parentes de que o retorno de seus queridos será num caixão (ou saco de cadáver), não pode haver acordo. Will parece a salvo de tudo: basta-lhe falar com quem de direito e ir embora. Na realidade, Will caiu no poço e lá no fundo construiu o seu mundinho. Dever cumprido, vida perdida. Tony, por sua vez, parece sucumbir à Gestalt. Está envolto nos fatos e tenta se entrelaçar nas histórias das pessoas. Tudo muito sofrido. Todavia, ele consegue emergir de seu poço e - quem sabe! - pode encontrar uma saída para si mesmo.
O filme toca consciências, é isto que realmente importa. Sua forma é simples, mas nada simplória. O elenco é, digamos, preciso. A excelente interpretação de ambos os protagonistas não merece reparos. Ben Foster estiliza o seu personagem com precisão e arte, mas não cai no exibicionismo de certos filmes de "guerra". Já Harrelson consegue expressar todos os seus transtornos pessoais, mas quando incluído na aparente calma de certos momentos cênicos, consegue um domínio dramático surpreendente. Outro ponto alto: a direção de arte. O filme consegue levar a audiência a mergulhar na vida mediana do americano que entrega seus filhos para a aventura das guerras do Império. Não há glamour neste povo. Há apenas os latinos atrás de cidadania legal, os negros seduzidos pela ascensão social, a classe trabalhadora meio desinformada e a ignorância sobre as raízes dos fatos que mataram os seus entes queridos. Do figurino, aos cenários, passando pela forma de agir e andar, tudo no filme tem contornos precisos em relação ao que está a transmitir. Se a América mostrada não é aquela das profundezas e áreas extremamente pobres, de outro lado, as pessoas que transitam pelo filme não atingem o padrão "imaginado" de pequenos-burgueses. Estão apenas tentando ter uma casinha, uns móveis úteis e um emprego que se some ao soldo do enviado ao Iraque. Tudo muito certo no filme e triste de ver no Império.
Por fim, pergunto: será que os cidadãos norte-americanos ao assistirem um filme como O Mensageiro são capazes de perceber a ambição dos projetos dos poderosos da América? Ou será que ficam um pouco menos tensos que em A Guerra ao Terror e esquecem do espírito crítico que o filme tem e é capaz de transmitir? 
Bem, como sabemos, nos dias de hoje, a comunicação não é apenas um problema do emissor que mente, corrompe, distorce e torna tosco o que quer transmitir. Há muito tempo, os receptores são parte decisiva a suportar muita coisa ruim no cinema, na literatura, na imprensa, nas artes plásticas... É melhor parar por aqui. 

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