quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Caravaggio: Os 400 Anos da Morte de Um Gênio

Neste ano, mais exatamente em 18 de julho, comemora-se 400 anos da morte de Michelangelo Merisi da Caravaggio, o maior pintor italiano do século XVI. Trata-se de uma data que merece ser muito comemorada e, além disto, é uma motivação para se debater e refletir sobre a sua obra e vida. Caravaggio foi um gênio que se projetou muito além da óbvia percepção de sua época. A sua "revolução" vai além da aparência bela e polêmica de seus quadros - como disse o Cardeal-Decano Francesco Maria Bourbon del Monte (1549-1626), seu patrono, "faltava-lhe distinção preconcebida entre o belo e o feio".
Caravaggio resgatava do cotidiano, das ruas e das pessoas comuns as imagens que projetava nas telas. As imagens de Maria Santíssima ou do próprio Cristo não eram fruto da pureza ideológica refinada pelas mentes da poderosa Igreja Católica do período renascentista. Maria era a imagem das prostitutas e os apóstolos eram os transeuntes pobres e indigentes das ruas. Seriam os "sem-teto" ou "moradores" de ruas dos dias de hoje. Ele tinha os seus olhos voltados para o submundo, para as corrupções, os pecados sociais e pessoais dos homens. O seu "realismo" artístico tinha um componente ideológico de caráter íntimo (na medida que era uma escolha muito sua) e público (porquanto chocava os mecenas que lhe encomendavam pinturas). De fato, em grande parte de sua vasta obra não há a evocação religiosa que era ambicionada pelos cardeais da Cúria Romana. Caravaggio possivelmente ria de seus financiadores tanto quanto os assustava quando descerrava os panos e revelava "a encomenda". Era um barroco no estilo, mas a luz que respinga nas suas pinturas transcende a escola artística a qual pertencia: ao mesmo tempo que a imagem é iluminada ao centro, há muita obscuridade nas margens. Seria a mistura misteriosa entre a pureza e a maldade humana e mística? Por certo, foi a herança mais relevante que deixou para a pintura universal. 
Ele mesmo sempre foi seduzido pela gastança, pela prostituição e pelas brigas inconseqüentes nas ruas romanas. Quatro anos antes de sua morte, em 1606, matou um homem em uma briga nas ruas de Roma. Daí por diante viveu fugindo entre Nápoles e Malta até ser preso na Sicília. A sua própria imagem foi pintada, neste período, em Salomé com a Cabeça de São João Batista e em Davi com a Cabeça de Golias. Já estava tomado pela paranóia que o atormentou até a sua morte.
Destaco duas de suas numerosas obras: A Conversão de São Paulo a Caminho de Damasco (1601) e A Crucificação de São Pedro também de 1601. Duas citações bem óbvias. Em ambos nota-se o seu caráter irônico, para não dizer sátiro. Basta ver o volumoso traseiro do cavalo de São Paulo e o corpo gordo de São Pedro, logo ele que estava preso à espera da execução. Os Cardeais deviam ranger os dentes diante desta imagem (vide ambas as pinturas logo abaixo).
 


Caravaggio merece ser lembrado e relembrado. Não apenas como um tributo à genialidade que marcou o seu tempo até hoje. Há um todo em sua obra cheio de humanidade. Se a sua vida conturbada era um sinal da distância dos poderosos de então, as suas pinturas mostram ao mesmo tempo o homem comum mesmo que represente o divino. Nisto consiste a divindade de Caravaggio. Há, obviamente, muito mais a ser dito sobre ele. Contudo, nestes tempos em que a distinção entre arte e vida (e vice-versa) se torna um exercício aeróbico e exaustivo de inteligência, basta relembrar o gênio italiano para se perceber que ele chegou muito antes onde muitos de nosso tempo sequer imaginam que exista.

Um comentário:

Vagner Queiroz disse...

Caravaggio foi um genio, um desafiador e um revolucionário com um talento inesplicavel. Estava bem a frente de seu tempo. E como qualquer um com essas raras qualidades foi perseguido. Mas se tornou um imortal, isso que importa. Parabens pelo post.