sábado, 20 de fevereiro de 2010

Lula, o Presidente Cordial

Lula, o presidente cordial
                                                                      
“Um povo será salvo pela força que dorme em seu próprio seio...será renovado em esperança, em consciência, em força, pelas águas que brotam de suas fontes doces e perenes. Não do alto; não pelo patrocínio de seus aristocratas.” (Woodrow Wilson).

Recentemente participei de um evento no qual o palestrante, profissional bem informado e com certa latitude intelectual, comentava em tom jocoso aspectos sobre o governo de Luiz Inácio Lula da Silva, o Presidente da República. Dentre as suas observações sociológicas e jurídicas, o professor ironizava os erros gramaticais e semânticos do Presidente da República, bem como fez piada sobre o fato de Lula não ter todos os dedos de sua mão esquerda.
Embora não exista estatística confiável sobre o tema, é muito possível que nove entre dez colunistas dos principais órgãos de imprensa façam diariamente comentários negativos sobre o presidente e seu governo. Muitos de evidente mau gosto, como alguns dos comentários do professor de direito.
De outro lado, é fato que a popularidade do presidente Lula é uma das mais altas, senão a mais alta, dentre todos os presidentes do período republicano brasileiro. Por estes dias, vemos o presidente desfilar o seu inegável carisma pelo país, seja na inauguração de obras ou programas de governo, seja nos contatos com a imprensa local e internacional.
Os fatos acima relatados, embora careçam de relação direta, podem servir para fazermos dois tipos de conjecturas a respeito da figura política do presidente: (i) a primeira, diz respeito à natureza de seu governo e a percepção que as elites brasileiras tem dela e (ii) as conseqüências desta natureza sobre a percepção da população sobre a presidente e o conseqüente nível de sua popularidade. Em termos mais simples, poderíamos perguntar por que o presidente é tão popular perante o povo e tão rejeitado perante as elites? Vejamos.
Em primeiro lugar, parece-nos importante entender que a figura política de Lula permanece mal entendida pelas elites. Afinal, o presidente do ponto de vista político ocupa uma posição peculiar. Nasceu de um movimento operário nos anos 80 do século passado, reivindicatório por melhores salários (principalmente) e condições de trabalho (em menor grau). Imperava o regime militar no Brasil e o sindicalista de então tinha uma posição peculiar: não era filho da esquerda tradicional representada, sobretudo pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB), e tinha ligações significativas com segmentos da Igreja Católica. Foi inicialmente visto como uma “oportunidade política” pela esquerda e, pouco a pouco, com certa desconfiança por parte da Igreja Católica no Brasil que se iniciava num processo conservador a partir da ascensão de Karol Woitjla ao papado. De muitas formas, o regime militar lhe facilitou a aquisição de popularidade junto a significativos segmentos sociais. A ditadura divide nitidamente, na ausência de significativo consentimento popular e legitimidade política, a sociedade entre os “a favor” e “os contras” sem maiores reparos à natureza ideológica e política de cada um destes dois grupos. Nestes termos, Lula é “filho da ditadura” e teve facilitada a justificação e suporte popular para a sua transposição de sindicalista a político. Embora não se trate de um evento incomum, há de se reconhecer que no período pós-ditadura, na chamada Nova República em diante, nenhum sindicalista transitou para o âmbito político e se tornou capaz de disputar cargos eletivos majoritários como ocorreu com o ex-sindicalista Lula.
Se do ponto de vista do “nascimento político” de Lula há as características específicas acima, também é relevante demarcar o espaço que ele ocupou no Partido dos Trabalhadores (PT). Sabidamente, de um lado, o PT nasceu atraindo diversas correntes “populares” e sindicais e, de outro, parcelas majoritárias da intelectualidade dos principais centros urbanos. Esta conjunção de forças políticas atraiu o fascínio de camadas numerosas das principais cidades brasileiras e segmentos relevantes da burocracia estatal ou para-estatal. Neste processo, Lula ocupava a presidência do PT “pairando” sobre todas as correntes formadoras do partido e com grande astúcia inviabilizou que quaisquer das correntes internas do PT dominassem a cena interna e, por conseguinte, a ideologia e o discurso externo. Lula não era o “político tradicional” dado que não havia nada de “tradicional” num país que tentava emergir da ditadura e também não se posicionava com nitidez em qualquer espectro político. Era o “torneiro mecânico”, barbudo, vestindo camisetas e que somava fascínio perante platéias ansiosas por “novidades”.
O berço político do PT e de Lula pode ser o mesmo, mas parece-me equivocado atribuir a mesma natureza a ambos, apesar de diversas intersecções que possam ser levantadas. Há notável divergência, sobretudo quanto a como definir Lula do ponto de vista político. Os termos “esquerda” ou “socialista” parecem complicar ainda mais esta investigação sobre a natureza ideológica do político Lula. Serviu mais como manto para as suas indefinições que para situá-lo no panorama político que estava a se transformar. Um perfil diferente de sua criatura, o PT, o qual sempre procurou se posicionar e exercitou como nenhum partido de então a reflexão e discussão no âmbito interno e externo acerca de sua natureza e atuação. Algo muito distinto do que fazia Lula.
Não parece razoável atribuir a Lula neste período (e nos subseqüentes) nenhum maquiavelismo neste (não) posicionamento. O mesmo não poderia ser atribuído aos que estavam seu redor, políticos e correntes. Muito mais razoável seria afirmar que se faltavam convicções ao novo político, sobravam-lhe desconfianças – do socialismo, do esquerdismo, do sistema político, das teorias e práticas revolucionárias e, até mesmo, do sindicalismo. Do Lula de então até os dias atuais não se pode tecer nenhum comentário fundado sobre a formação de “um pensamento político” ou “ideológico” que mereça o batismo com o nome dele. Já sobre ele, muito foi construído. Nada a partir dele próprio no que se refere a um determinado “pensamento”.
Observada estritamente a natureza do político Lula, pode-se afirmar com relativa segurança que praticamente nada mudou no sindicalista travestido ao longo de sua trajetória política. De candidato a governador, passando pela (modesta) participação na Constituinte de 1988, até as três primeiras candidaturas presidenciais, Lula permaneceu indefinível do ponto de vista político. Refiro-me a definição clássica (ou usual) da imagem de um político. O seu presumido “esquerdismo” ou “socialismo” decorreu da caracterização que as elites brasileiras, sobremaneira “os formadores de opinião” lhe deram. Alguém poderia argumentar que se não houve uma “formulação ideológica” por parte de Lula, de outro lado, a sua praxis junto aos segmentos “populares” ou “vanguardistas” fixou a feição que ele não construiu (voluntariamente). Neste ponto, é importante distinguir que estamos a falar da essência do político. Sua praxis decorreu de um posicionamento além dele próprio, ou seja, do PT e das forças que o apoiaram ao longo do tempo, bem como da necessária manobra quando ocorre um processo eleitoral. Trata-se de um uma distinção não apenas axiológica, mas também necessária para que se aprecie o ator além da peça que encena.
Voltemos um pouco. Se Lula nunca teve ou quis ter uma feição que fosse passível da fria análise de sua figura política, é evidente que as elites e os “cientistas políticos” (e equivalentes) contribuíram decisivamente para caracterizá-lo conforme já dissemos acima. Melhor argumentando: Lula foi “escondido” dentro de conceitos que vão da acepção de populista até a de um esquerdista (democrático, penso eu). Nunca se conseguiu construir de fato uma imagem fiel ao que era o político Lula. Desta forma, houve extraordinário assombro com efeitos nefastos sobre os mercados financeiros locais e mundiais quando em 2002 evidenciava-se a sua vitória no processo eleitoral. Nunca os tais “cientistas políticos” souberam distinguir com clarividência entre as manobras políticas de Lula desde 1980 e a sua real natureza. Campanhas irresponsáveis do PT, tais como aquelas relacionadas com a inadimplência ou mesmo repulsa da dívida externa até o proselitismo em relação à reforma agrária ou às reformas em geral, nunca retiraram o manto que encobria o pensamento político (ou a ausência dele) de Lula. Se o Lula sindicalista e que nasceu para a política em 1980 era um “desconfiado”, até a eleição de 2002 passou a ser um desconhecido, sobre o qual muito se comentou, mas pouco se sabia de facto. De resto, sua imagem foi construída pelos segmentos que lhe apoiavam e pelos seus opositores.
O Lula feito presidente em 2002 se revelou. Todavia, a precedente percepção sobre ele permanece equivocada. Aqui não é o caso de se fazer grandes digressões. Basta verificar o imenso gap entre a análise que se faz dele na mídia e da parte dos “cientistas políticos” e a constatação de sua imensa popularidade. Se Lula “pairava” sobre as correntes e forças que o suportavam no PT e na esquerda em geral, agora o ex-sindicalista tornou-se príncipe e paira sobre o povo (que lhe concede apreço raro) e a elite e a classe média urbana, que de muitas formas o ataca. A mais notável marca deste gap é aquela que ainda tenta lhe atribuir os riscos do “esquerdismo” ao qual ele presumidamente pertenceria, mas que na verdade nunca pertenceu na alma. Não é também o “populista” que constrói programas sociais com fins exclusivamente eleitorais. Ao contrário, está longe de ser um populista de vez que persegue como ninguém sustentação política dentro das regras vigentes a ponto de se associar a segmentos políticos que abarcam desde ex-desafetos políticos até próceres da ditadura militar. Também não se pode atribuir ao presidente Lula nenhuma tentativa relevante de subverter as instituições políticas com objetivos sequer semelhantes aos de Hugo Chávez e seus companheiros da nova (?) esquerda latino-americana. No cenário externo, o Brasil sob o governo Lula teve um papel ampliado, não pelo seu papel de distanciamento dos centros do poder mundial, ao contrário, exerceu visível aproximação destes centros. (Não devemos esquecer as excelentes relações pessoais e diplomáticas de Lula com George W. Bush, um dos presidentes mais direitistas da história norte-americana).
O que seria então Lula? Eis a questão! Não seria a sua natureza política a melhor explicação para a dissonância cognitiva entre o que dele se fala nas rodas das elites, o que se escreve na mídia e aquilo que se registra nas pesquisas de opinião?
Parece-nos muito instigante e necessária que se parta desta presunção dedutiva da relação entre um fato geral (a relação dissonante entre a popularidade e a rejeição pelas elites) e um aspecto particular (a natureza política do presidente). De outro lado, para analisarmos esta relação se faz necessário que partamos de uma visão indutiva de certos fatos e aspectos particulares para demonstrarmos a importância da questão posta. Vejamos.
Lula, no exercício por mais de vinte anos da liderança do PT e nas candidaturas presidenciais sempre condicionou as suas idéias políticas na proporção da diferença entre (i) propostas mudancistas marcadas por ambições reformadoras e (ii) a necessidade eleitoral (e momentânea) de ampliar os seus resultados eleitorais. Até a eleição de 1998 as ambições reformadoras eram apenas condicionadas pelas conjunturas eleitorais. Em 2002, por meio da famosa “Carta aos Brasileiros” consolidou-se a progressiva perda do antigo sentido de sua ação política. Com efeito: as “virtudes mudancistas” tinham de ser ajustadas à mesma proporção das necessidades eleitorais. Se isto contrariava o histórico de seu partido e das forças políticas ao seu redor não é certo que isto contrariava a natureza do candidato Lula. Transformado pelas urnas em presidente da República, o programa do PT e da “esquerda”, depois de passar pelo “ajuste eleitoral” de 2002 sofre uma avassaladora mudança. Não mais de intensidade, meios ou fins, mas de significado. Assim, Lula começa a inaugurar o seu governo e a, enfim, tornar evidente a sua verdadeira natureza.
Se nos parece certo que Lula não foi, não é e não será um revolucionário, a vitória eleitoral iniciou um processo de “desmascaramento” de sua natureza política.
Não sendo um revolucionário, sob qualquer acepção, Lula seria um reformista? Em que tipo de reforma acredita?
O capitalismo brasileiro, tardio e relativamente restrito, não foi ainda capaz de incorporar largas parcelas da população. Trata-se de uma constatação que não carece de maiores demonstrações. A transformação vigorosa do capitalismo brasileiro dependeria de políticas transformadoras de grande relevância tal qual ocorreu na Itália pós-guerra, em alguns países do sudoeste asiático (notadamente o Japão e a Coréia do Sul) e, mais recentemente, a Índia e, paradoxalmente, a China comunista.
No caso do Brasil, convivem processos modernizantes e que são conflituosos na medida em que (i) combinam os anseios sociais como os expressos na Constituição Federal de 1988 e (ii) uma estrutura arcaica em diversos segmentos, sobretudo no Estado Brasileiro. Uma reforma burguesa, no sentido preconizado inicialmente por Rousseau no século XVIII, necessariamente implicaria em reformas de base, sobretudo na constituição do Estado, no ordenamento jurídico (acesso à Justiça) tutelador da cidadania, na educação e assim por diante. Modernamente, tais reformas implicam em mudanças mais amplas nos sistemas e estruturas econômicos e sociais, além da crescente agenda ecológica e ambiental. Reformar o país, no sentido burguês da palavra, implica em mudar tais processos e estruturas para acelerar e viabilizar a formação de um país dito moderno dentro do regime capitalista.
Ao mesmo tempo em que é certo que o Governo Lula, desde o seu primeiro mandato, sempre se preocupou na manutenção do status quo das elites e da relação com estas, também nos parece que nenhuma transformação burguesa significativa foi introduzida no país. O status quo das elites foi mantido por meio de uma cuidadosa política fiscal e monetária que sequer tocou nos pontos conjunturais e estruturais relevantes, como por exemplo, os efeitos nefastos da movimentação de capitais que provocaram a maior crise da história capitalista. No que tange as “reformas burguesas” nenhuma merece esta denominação, muito embora um dos programas mais polêmicos do governo Lula, o bolsa-família, tenha um sentido (correto e insuficiente) de transferência de renda pela via fiscal, política esta adotada por muitos países, inclusive alguns hoje considerados desenvolvidos.
A antiga desconfiança de Lula em relação às ideologias transfigurou-se celeremente, após a sua ascensão ao poder, em uma cuidadosa administração do Estado. Do ponto de vista da sustentação política, Lula ampliou o seu suporte político somando - como tantos outros governos anteriores – o seu PT às forças arcaicas da política brasileira. Não somente sinal de seus cuidados de príncipe, mas também como base para a realização de sua própria natureza política. Vamos explorá-la.
Não sendo um reformista na essência, Lula apresentou-se como um magnífico entendedor da alma das elites e da sociedade brasileira. Muito provavelmente, absorveu a essência de ambos por um tino e percepção aguçados. Não pelo fruto da reflexão intelectiva, mas pela sensibilidade em relação à cordialidade brasileira. Lula, ao mesmo tempo, compreendeu e exerceu ele próprio a propensão do brasileiro à informalidade, à ignorância em relação às leis, ao pouco ou nenhum discernimento em relação ao público e ao privado, ao exercício do tráfico de influência e à capacidade de transpor obstáculos sem enfrentá-los. Não é o caso de rememorarmos Raízes do Brasil, mas apenas rememorarmos as reflexões de Sérgio Buarque de Holanda sobre o caráter pouco racional e emocional do brasileiro.
Se somarmos esta percepção aguda de Lula ao seu poder carismático (Weber) começamos a definir a natureza de Lula e de seu governo. Ressalte-se que o carisma de Lula na gestão do Poder não levou nenhuma conseqüência transformadora das estruturas sociais. A eclosão que tal carisma provoca vai em direção à cordialidade brasileira já percebida pelo príncipe local. Se para Weber o poder carismático faz com que o líder seja percebido como dotado de poderes excepcionais, para Lula o seu carisma o aproxima e, até mesmo, o iguala aos outros indivíduos, sobretudo os mais pobres. Lula não tem discípulos nem seguidores, mas é um ente especial em meio aos presumidos “iguais”. Uma ficção que imita a realidade.
Se a Igualdade burguesa necessitaria das políticas transformadoras e reformadoras, para Lula a igualdade assume um caráter antropológico de identidade com as massas e a identificação destas com a sua imagem de proletário que se tornou burguês. Num país de capitalismo tardio e de estrutura burguesas arcaicas.
O processo de identificação acima referido permite que o seu carisma lhe dê autoridade para que seja acreditado não por seu heroísmo ou por suas crenças (como em Weber), mas para que o presidente seja visto como alguém “que chegou lá” (Poder) a despeito das estruturas que bloqueiam o acesso da absoluta maioria ao sistema político, social e econômico. A não transformação das estruturas, por sua vez, lhe garante o Poder perante as elites que, se intrinsecamente (subjetivamente) não se sentem identificadas com ele, também não têm os seus interesses contrariados. Lula é a única figura histórica com a credibilidade em combinar um discurso verdadeiramente popular com uma política amplamente tradicional, conformista e desconfiada da própria capacidade transformadora. O reverso do slogan eleitoral de 2002 que rezava que “a esperança venceu o medo”
Lula é aquele que expressa felicidade verídica em emprestar recursos ao FMI, o mesmo organismo que outrora combateu. Pouco importa a ele, se o órgão multilateral seja reformado, reestruturado e modificado para atender ao melhor funcionamento do sistema financeiro internacional.
Lula é aquele que luta para que as Olimpíadas e a Copa do Mundo aconteçam no Brasil, não como uma representação autêntica da mudança no status quo do país, mas como símbolo de um feito pessoal, do operário que alhures enfrentou os poderosos e trouxe para cá eventos que identificam o povo com si mesmo. Ninguém mais que ele tem esta identidade. A Lula pouco importa a obsolescência das estruturas do futebol e do esporte brasileiro. Ao contrário: ele se soma a estas estruturas para realizar a sua própria natureza e forma de identificação.
Lula é aquele que optou pela tradicional estrutura de desenvolvimento agrícola em detrimento da ecologia. Somente ele tem a autoridade para falar da “comida no prato do povo” que seria a principal decorrência desta opção.
É ele Lula que vibra com as altas das cotações no mercado de capitais, um símbolo tradicional do capitalismo, bem como, fruto das políticas do antigo trabalhador e proletário. Não são relevantes do ponto de vista político as estruturas que estão por detrás do perigoso financismo que impera no globo e no país.
O conceito de competência para Lula tem um caráter adaptativo ao “que aí está”. Trata-se do meio de sua sobrevivência perante as elites, identificando-se como nenhum outro líder no passado da história do Brasil ao homem cordial brasileiro. Esta é a inovação de seu governo, notável do ponto de vista antropológico, relativamente neutro do ponto de vista sociológico e arcaico do ponto de vista político.
Não se trata de populismo na medida em que Lula está devidamente enquadrado aos moldes institucionais (e atrasados) dos poderes públicos e privados. Não é reformista na medida em que a sua visão de reformas é endógena, ou seja, estas “acontecem” dentro do próprio sistema em que o país está inserido. Nunca foi revolucionário como já dissemos.
Há, ainda, dois outros aspectos notórios (e mais visíveis) em Lula que “convivem” com o “presidente cordial”. O primeiro é o seu caráter autoritário, pelo qual “troca” a sua proteção política (segurança) por lealdade canina. Basta verificarmos o que ocorreu com os seus companheiros que foram arrastados pelos escândalos políticos de sua administração. O segundo é o alinhamento entre certo caráter visionário e a tentativa contínua de superar a rejeição de classe social. Talvez por esta razão os ricos vejam nele alguém que evita a luta de classes, enquanto na classe média (ligada ao setor privado) dos centros urbanos permanece a maior resistência à sua figura política.
A dissonância cognitiva entre a percepção das elites sobre Lula e o inegável apreço que lhe presta a imensa maioria da população decorre da incompreensão da natureza do presidente Lula. Ele é o Presidente Cordial, aquele que entendeu e melhor expressou o que em termos antropológicos Sérgio Buarque de Holanda construiu há muito.
Lula não é figura política para romper com as formas rotineiras da política brasileira, mas para exercer uma dominação política por meio de uma identificação plena com o caráter cordial antropológico do homem brasileiro.

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