"Porque não mais espero conhecer
A vacilante glória da hora positiva
Porque não penso mais
Porque sei que nada saberei
Do único poder fugaz e verdadeiro
Porque não posso beber
Lá, onde as árvores florescem e as fontes rumorejam,
Pois lá nada retorna à sua forma".
A morte é uma das maiores angústias humanas e aquela que ao lado do amor mais foi e é revestida dos rituais humanos e divinos. Somente a morte contém a dicotomia daquilo que sabemos na plenitude - que vamos morrer - e o que nada sabemos - para onde vamos e por que morremos. Há uma combinação metafórica e real entre o nosso destino fatal e a completa ignorância factual sobre qual o caminho que tomaremos a partir de então.
O filme A Partida (Japão, 2008, dirigido por Yoshiro Takita, com Masahiro Motokim, Tsutomu Yamazaki, Kazuzu Yoshiyuki e Kimiki Yo) é ao mesmo tempo o clímax da morte e o seu anti-clímax, a escolha pela vida. Ao mergulhar no universo da morte por meio das cerimônias e os funerais, A Partida propõe uma saída para a fatalidade. Ao mesmo tempo nos deixa com a necessidade de fazer as escolhas que realmente importam.

Há muita descobertas ao longo deste trânsito de atividade e profissão. Tudo muito longe das suas expectativas iniciais. Como sempre é.
O aprendizado mais custoso ao iniciado é aquele que ensina que não há pesar na morte. Ao contrário, pouco a pouco a leveza vai tomando conta dele na sua relação com a morte. Se há fato pesaroso a ser tratado e confrontado é a própria vida. A vida daqueles que ficam.
A certa altura do filme, seu mestre o convida a comer em sua casa. Em meio a deliciosa refeição ele diz que "para viver é preciso comer. E se é assim, melhor que seja algo saboroso." Deste diálogo muitas coisas confluem para a mente daquele que já não é um violoncelista. É preciso lidar com a brevidade da vida. Não apenas a brevidade temporal, mas a brevidade que os homens constroem para não gozar a plenitude da vida. Nas palavras de Sêneca: "Ocupam-se para poder viver melhor: armazenam a vida, gastando-a! Fazem seus planos a longo prazo; no entanto protelar é do maior prejuízo para a vida: arrebata-nos cada dia que se oferece a nós, rouba-nos o presente ao prometer o futuro."
Sempre percebi o cinema japonês como difícil de ser permeável e se fazer permeável às relações de diferentes culturas. Afora uns poucos e excelentes filmes nipônicos que pude assistir, falta ao cinema oriental em geral e ao japonês em particular a universalidade humana do cinema ocidental, sobretudo o europeu e norte-americano. Um visão pessoal, é claro. Todavia, A Partida consegue transpor ao mesmo tempo a intenção de ser inédito no seu argumento - coisa que não é - e a barreira cultural: o filme é universal, belo, delicado, suave e agudo. Tem uma fotografia exemplar e uma música que passeia com enorme cumplicidade com o roteiro.
Não há afetação na interpretação desta estória poética e o trabalho coletivo dos atores é brilhante - pouco importa o que se possa opinar sobre cada um deles.
Por fim, voltemos a morte e a superação desta. Não há segredos a compartilhar com um morto que é velado. Todavia, muitos de nossos segredos mais profundos se sobressaem quando estamos a velar os nossos amigos e parentes. A cerimônia do adeus a um morto, não é rito fúnebre no sentido lato de sua significação. É rito para a vida que nos pesa e a qual nos cabe libertá-la para o nosso bem e uso. A Partida nos ensina que quando dizemos adeus, estamos a dizer "até logo". Quando pensamos que tudo acabou, descobrimos que existe um recomeço a cada minuto que nos persegue. Resta saber se o tempo presente brevíssimo vale a pena ser vivido. Por nós mesmos. Como diz Eliot "nada retorna à sua forma".
Nenhum comentário:
Postar um comentário