terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

A Nossa Parcela de Culpa na Violência Brasileira

O Brasil é um país violento. Aliás, muito violento. Reconhecer isto não parece ser um sentimento socialmente difundido na mesma proporção em que a violência penetra nas entranhas sociais e perfuram as almas e, sobretudo, os corpos dos cidadãos brasileiros. Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) em seu mais famoso livro O Contrato Social nos ensina "que a força não faz o direito. E que só se é obrigado a obedecer aos poderes legítimos." O autor suíço está a se referir à necessidade do imperativo legítimo da Vontade Geral expressa na Lei. Tomo emprestado o conceito de Rousseau para me referir às agressões que a cidadania sofre no Brasil por conta do mais ilegítimo poder que atenta contra os indivíduos: a força do crime.
Há aqueles que atribuem esta transbordante criminalidade à vala social entre os mais ricos e os mais pobres. Não resta dúvida que a exclusão social e a urbanização desordenada e excludente das grandes cidades contribuem para o cenário o excesso de violência. Menos de 1% dos municípios brasileiros concentram 50% dos homicídios ocorridos no Brasil. Este 1% do total dos municípios representa 25% do total da população. Ou seja, municípios com populações enormes e populações numerosas de excluídos são os mais violentos. Os dados são da Secretaria de Segurança Pública do Ministério da Justiça em 2000. A título de ilustração vejamos alguns números da criminalidade no Brasil: os homicídios totalizam cerca de 50 mil/ano (metade com armas de fogo), mais de 1 milhão de celulares são roubados por ano e cerca de 360 mil carros/ano são furtados. É difícil alguém não ter um parente ou amigo que não sofreu as agruras da violência espalhada pelo Brasil. 
Embora os problemas sociais tenham decisiva influência na proliferação da violência no Brasil, conforme uma extensa lista de estudos comprova, parece-me que há algo mais profundo a ser investigado: a Lei é frágil para o volume e gravidade do crime e o Estado não cumpre o seu dever de investigar, punir e fazer cumprir as penas dos infratores. Parece óbvio, não? Nem tanto.
Pergunto: o descaso do Estado não é fruto da falta de interesse da própria sociedade num tema que a afeta de forma descarada? Por que o aparato legal, policial e judicial não foram minimamente reformados enquanto a violência se expande? Qual o efetivo interesse da classe política num tema tão "popular" quanto este? O que é feito para se evitar a altíssima reincidência de crimes?
O meu ponto é que a sociedade está totalmente desmobilizada para pressionar o Estado no sentido de fazer prevalecer a Lei. Não é novidade no Brasil que quando os interesses são difusos (e públicos) a mobilização social é, de forma geral, reduzida. A "tentativa de fuga" desta situação ocorre por meio da "privatização" das soluções: os alarmes nos carros, o porte de armas pelos civis,  a expansão da indústria de seguros de bens, os "filmes" escuros nos vidros dos carros, a contratação de segurança privada, porteiros de prédios cada vez mais treinados para combater criminosos, a blindagem de carros e assim vai. Ocorre que esta saída "privada" impõe um custo econômico substantivo à sociedade. Há quem estime que os gastos com esta "segurança privada" já atinge o patamar de 5% do PIB. Um número estratosférico.
Não tenho a pretensão de esgotar o assunto. Mas, estou convencido à luz de dados e fatos que a questão da segurança merece uma enorme mobilização social a despeito da negligência do Estado. De outro lado, é oportuno que sejam criadas organizações que lutam pela não-violência. Todavia, a Lei tem de prevalecer, ou seja, o chamado "monopólio legítimo da violência" por parte do Estado tem de ser exercido quando a Lei não é respeitada. Não há acordo senão sob o preceito de obedecer às normas jurídicas. 
Não dá para tolerar o crime. Isto é fato. Todavia, não podemos deixar de reconhecer a nossa própria culpa neste processo. Falta-nos interesse social para tratar daquilo que é de interesse público.

Um comentário:

Thaira Ferro disse...

Concordo e assino em baixo. adorei o texto.