Comentamos no dia 16 de fevereiro deste ano, neste blog, o filme "Guerra ao Terror", talvez o maior ganhador do Oscar deste ano. Na ocasião escrevemos:
"Na essência é um filme fraco, sem idéia conseqüente, sem brilho de interpretação e com uma direção bem tradicional no que diz respeito aquilo que se vê em outros filmes. O mais incrível de tudo, é que a diretora (e seu filme) Kathryn Bigelow é comemorada entre a tigrada de Hollywood como a grande sensação deste período pré-Oscar."
Além disto, naquela ocasião comentamos que "o sofrimento do Iraque e dos americanos nesta desastrada invasão de Bush Jr. é um poço de oportunidades para se construir roteiros criativos e inteligentes."
Pois bem: eis que chega a temporada de Zona Verde (Green Zone, 2010, dirigido por Paul Greengrass, com Matt Damon, Yigal Naor e Said Faraj). Trata-se de um filme de ação que soube ser construído dentro de um roteiro criativo e que é recheado de enormes, evidentes e catastróficas verdades de tudo o que ocorreu na segunda invasão do Iraque por parte do famigerado George W. Bush.
O sub-tenente Miller (Matt Damon) é responsável por achar as tão famosas "armas de destruição em massa". Para isto serve-se de relatórios da inteligência militar, produzidos antes da invasão norte-americana pelo Pentágono. Pouco a pouco, o patriota subtenente vai descobrindo que há algo errado naqueles relatórios de vez que os lugares indicados não passam de instalações irrelevantes do ponto de vista militar. Pergunta-se para si mesmo: "onde estão as armas de destruição em massa?"
Bom, esta pergunta é muito óbvia tanto quanto a sua resposta: simplesmente elas não existem a despeito do case feito pelo Governo Bush para se justificar perante à ONU e à opinião pública norte-americana e mundial. Sempre se soube que aquilo tudo não passava de uma farsa de quinta espécie e que sequer obedecia aos princípios da raison d´état tão caros ao velho Cardeal Richelieu. Afinal, as ameaças aos Estados ocidentais da parte do Iraque não passavam de puro interesse econômico e, em alguma medida, geopolítico. Nada havia relativo à segurança americana.
O filme, a partir da constatação do subtenente Miller, tem a coragem de ir à fundo na questão: denuncia não somente a farsa, mas expõe com surpreendente nudez os mecanismos de poder e as artimanhas que construíram a tomada do Iraque. Vidas humanas foram sacrificadas em torno de um complô internacional liderado por Bush e seu aliado transatlântico Tony Blair.
Há ainda uma particularidade no filme que me parece relevante: dentre as engrenagens maquiavélicas que operaram naquela invasão está a imprensa, tantas vezes chamada de Quarto Poder (como no filme homônimo do diretor grego Costa-Gavras). Não foram poucas as desculpas que órgãos de imprensa importantes tais como o New York Times, Washington Post, Wall Street Journal, CNN e BBC tiveram de pedir sem solenidades ao distinto público (ou será "opinião pública"?). Todavia, que fique bem claro: Zona Verde nos ensina que não está ainda na hora de dizermos "estão desculpados" para esta patota do Quarto Poder. Seu papel foi vergonhoso não somente pela incompetência, mas também pela associação privada que fizeram com o complô de Bush e Blair. Nas barbas dos parlamentos mundiais.
Por fim, quem deveria sair ruborizada do cinema era a claque de Guerra ao Terror. Aquele filme conta algo que parece eletrizante, mas, de fato, esconde a verdade. Serviu a capacidade midiática da diretora do filme (Kathryn Bigelow) para que o filme parecesse inovador e arrojado, inclusive do ponto de vista do roteiro. Zona Verde é, por seu turno, eletrizante e joga no rosto de espectador aquilo que foi (e é) a realidade iraquiana.
Hollywood, neste caso, deveria sair da Academia de Cinema e ir para a de ginástica. Afinal, sobraram malabarismos e contorções em torno de Guerra ao Terror. Ou, ainda, poderiam ir dar um pulinho no cinema mais próximo e assistir Zona Verde. Ninguém veria os membros da tal academia ruborizados no escurinho do cinema.
sexta-feira, 23 de abril de 2010
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