domingo, 3 de janeiro de 2010

Ervas Daninhas e as Brincadeiras de Alain Resnais

O cineasta francês Alain Resnais aos 87 anos é um inovador (in)constante. Seu filme Ervas Daninhas (Les Herbes Folles, 2009, França, com Sabine Azéma, André Dussolier, Emmanuelle Devos e Mathieu Amalric) é mais uma nova expressão sobre a forma de um filme. Esta pode variar tanto que é possível desconstrui-la, muito embora esta seja uma palavra perigosa diante das infinitas possibilidades que a lente de um diretor pode adotar.
O roteiro de Ervas Daninhas conta-nos uma estória banal de um homem que encontra a carteira de documentos de uma mulher que tinha sido assaltada em Paris. A partir deste simples enunciado, Resnais vai construindo uma série de cenas e pequenas estórias que se intercalam e que podem ou não sugerir um caminho racional. Se ao assistir a película, você enveredar por um dos caminhos propostos por Resnais, muito possivelmente haverá uma sensação de irracionalidade a percorrer os olhos e a mente. Trata-se, acredite!, de uma trapaça. Afinal, o diretor não tem ali nenhum compromisso com estruturas e roteiros. Apenas se mostra  nas magníficas construções cênicas e dramáticas vistas de forma isolada ou conjunta. O resto é sensação e das boas! Puro hedonismo para os cinéfilos.
Isto me lembra um livro que li (Escritura e Nomadismo) há não muito tempo com um conjunto de entrevistas de Paul Zumthor (1915-1995) um dos maiores teóricos de literatura comparada - ele é muito mais que isto. Em certo trecho, comentando sobre poesia sonora, ele afirma que "a performance é virtualmente um ato teatral, em que se integram todos os elementos visuais, auditivos e táteis que constituem a presença de um corpo e as circunstâncias nas quais ele existe." Pois bem: de uma forma geral, e neste filme em particular, a obra de Alain Resnais é exatamente isto. Um ato teatral com variadas expressões no qual a experiência de cada detalhe é a própria obra. Não está ali para explicar nada. Ao contrário, se puder complicar, melhor ainda. Não à toa no filme a dentista pilota aviões, o personagem central é um "dono de casa" que oscila entre o desejo de ser criminoso ou fazer o bem e seguir a Lei e há também espaço para a metalinguagem  onde o cinema é visitado pelo próprio cinema. Desta salada de frutas, sai....um bolo de nozes...
Obviamente, este tipo de experiência não pode ser plenamente realizada num contexto em que a audiência espera um "resultado" para cada cena ou para a estória como um todo. Caso exista esta "ansiedade da razão" é bem provável que a "leitura" sobre o filme seja negativa. Vai de chato a irracional, neste contexto onde a mente tenta seguir a própria razão. Do meu ponto de vista,  é grande engano tomar este caminho.
Resnais é um brincalhão e sabe tirar proveito de todas as possibilidades do cinema. Algumas vezes brinca com o roteiro (como no caso de Ervas Daninhas), outras vezes com os personagens (vide Medos Privados em Lugares Públicos), ou ainda, com a própria estrutura cênica (é o caso de Providence) e assim por diante. É preciso mergulhar de alma e corpo nas brincadeiras de Alain Resnais. Afinal, cinema é (ou pode ser) coisa séria. Não é mesmo?

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