sábado, 2 de janeiro de 2010

Hanami, Cerejeiras em Flor: a Vida e Nada Mais

 O filósofo francês Gilles Lipovetsky em seu livro de 2004 Tempos Modernos escreveu: "A partir do final dos anos 70, a noção de pós-modernidade fez sua entrada no palco intelectual [...]. O neologismo pós-moderno tinha um mérito: salientar uma mudança de direção, uma reorganização em profundidade do modo de funcionamento social e cultural das sociedades democráticas avançadas. Rápida expansão do consumo e da comunicação de massa; enfraquecimento das normas autoritárias e disciplinares; surto da individualização; consagração do hedonismo e do psicologismo; perda de fé no futuro revolucionário [...]. De um lado, os indivíduos, mais do que nunca cuidam do corpo, são fanáticos por higiene e saúde, [...] o consumo anômico, a anarquia comportamental." Não resta dúvida de que este é o comportamento social que prevalece nos países mais desenvolvidos, bem como dentre aquilo que poderíamos denominar de "classes burguesas" dos países subdesenvolvidos (ou emergentes, para quem se sentir melhor com o termo).
O filme Hanami, Cerejeiras em Flor (Alemanha-França, 2008, direção de Dorris Dörrie, com Hannelore Elsner, Maximilian Brückner, Felix Eitner, Birgit Minichmayr, Elmar Wepper) é uma espécie de "flor de lótus" em meio aos tempos hipermodernos em que vivemos.
O roteiro transcorre a partir de quando a Trudi é informada sobre a doença terminal de seu marido Rudi. Todavia, quem vem a morrer sob o sono da noite é a própria Trudi. O casal estava em uma espécie de lua de mel, a visitar Berlim, seus filhos (mais do que crescidos) e a praia. Trudi tentava resgatar para o casal um pouco do tempo que lhes restava juntos. Isto sem que Rudi tivesse consciência deste resgate. Depois da morte de Trudi, Rudi empreende uma viagem ao Japão onde mora o seu filho caçula Karl. Esta era uma viagem desejada por sua esposa. Em Tóquio e em seus arredores, Rudi experimenta sensações e lembranças de sua esposa. Ali, ele pode concretizar, mesmo que de forma metafórica, a experiência do amor, da esperança e do próprio tempo. No filme, sobra simbolismo e os detalhes mais sutis do espírito. 
O mais notável do filme a meu ver é a coragem da diretora Dorris Dörrie em projetar uma doce humanidade, por meio de Rudi e Trudi (e algumas coisas mais), em meio à ausência de tempo de seus filhos, da aparente modernidade das relações familiares, da arquitetura da cidade, da tecnologia moderna que em tese facilita a vida e do individualismo extremado dos seres frente aos mais básicos sentimentos humanos (e de suas necessidades). Dörrie já tinha feito isto com muito humor na comédia Homens de 1985. Naquele tempo, eram os homens a direção de sua ironia. Logo os Homens , os machos que foram surpreendidos pela modernidade (?) das mulheres. Desta feita Dörrie recorre à própria realidade para mostrar as virtudes mais, digamos, "arcaicas": a doçura, a generosidade, a percepção do "outro", a delicadeza, o amor e um pouco de esperança. Daí o nome Hanami, literalmente em japonês "olhar as flores".
Este é um filme sobre o quanto é efêmera a vida frente ao declínio que surge tão logo nascemos. Surge, assim, a desesperança, fruto de um construção social e individual fruto das impossibilidades surgidas quando os seres acreditam que chegaram ao fim da história, a hipermodernidade. É aí, em meio ao relento, que Dörrie resgata a beleza da vida. O custo deste resgate é conversão dos homens a sua própria humanidade.
Nestes dias em que nos empolgamos com o fantástico espetáculo tecnológico de Avatar, nada melhor que retornarmos um pouco a nossa alma obscurecida pelo que Lipovetsky descreve no preâmbulo desta nota. Nos últimos anos, a aceleração do desenvolvimento não trouxe muitas "descobertas", apenas nos motivou para o hedonismo e o conforto. Aparentemente, a grande conquista a ser feita nos próximos tempos é a do próprio homem.

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