quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Ler Hamlet Sempre!

Não há como comparar nenhuma outra obra literária à peça Hamlet de William Shakespeare. Esta extrapola todas as expectativas que possam se formar em torno de qualquer outro escrito. Nestes dias em que o questionamento mais profundo da realidade íntima e  social do ser humano passa por tantas terapias e teorias, de Freud aos livros de auto-ajuda, Hamlet nos surpreende pela sua atualidade e pelo espanto do quanto o Príncipe da Dinamarca fala da alma humana. É possível ver o personagem de Shakespeare de muitos ângulos muito embora sejamos seduzidos pela sua figura trágica.
Nos diálogos da peça e na perseguição do fantasma, Shakespeare é capaz de extrair de cada um dos personagens as suas virtudes e os seus defeitos, aquilo que é lúcido ou, ainda, a loucura de cada um. Por meio desta extração somos capazes de nos elucidar e sair da prisão de nosso cotidiano.
Hamlet é uma peça que deveria ser lida e/ou assistida todas as vezes que as nossas inquietações estiverem à bordo de nossa consciência. Assim saberemos emergir, a cada vez,  com inéditas lições que nos inclinarão à ação. Como nos ensina Paul Johnson no seu magnífico livro de ensaios Os Criadores, " ninguém consegue assistir a uma encenação de Hamlet e absorver sua mensagens - sobre a fé e a maldade humana, sobre a cobiça, malícia, vaidade, lascívia; sobre a regeneração e arrependimento, sobre o amor e o ódio, procrastinação, pressa, honestidade e engano; sobre a lealdade e traição, coragem, covardia, indecisão e paixão intensa - sem se emocionar e ficar profundamente pertubado. [...] Hamlet, o jovem gênio confuso e essencialmente benevolente, é imortal, correndo rumo ao céu [...]."
Senti-me inclinado a escrever estas breves linhas ao me defrontar neste início de ano com tanto sofrimento humano ao redor do globo e, especialmente, diante da imposição das agruras vindas dos céus chuvosos. O sofrimento é inerente à humanidade. Nem sempre a ação é - e é por esta razão que recorro ao personagem mais famoso de Shakespeare. Ele amava agir.
Acredito que a alegria é uma virtude, não apenas um sentimento consciente ou inconsciente. No mundo moderno, há ausência de alegria e do pacífico marasmo do espírito. Parece que vivemos em um constante tsunami interior fruto da violência, do desamor, da falta de generosidade, da deselegância, da ausência de caridade e da falta de boa-fé. Ora, estão aí os nossos fantasmas a percorrer os dias e as noites. (E não apenas nos cemitérios). Tal qual no Ato I, cena IV de Hamlet quando ele vê o fantasma e grita com furor: "Anjos do céu, correi em nosso auxílio!" e, uma vez revelada a mensagem daquele fantasma, inicia-se o tormento interior do Príncipe da Dinamarca. Um tormento a nosso favor, à disposição de nossa reflexão. Este tormento não dista daquela que estamos a viver diante das ameaças dos homens. 
Não acreditem que Hamlet exacerba as nossas angústias. Ele apenas revela a nossa própria realidade e, ao desejar as mais profundas chagas para si mesmo, nos dá vastas portas de saída. Shakespeare, apesar de ser um gênio, nunca tentou criar ou disseminar o "novo" ou um "sistema". O escritor inglês valorizou o homem, desnudando-o e engajando-o em tarefas que podem aperfeiçoar o seu caráter e dar esperanças à vida interior e social. Vale a pena lê-lo sempre, mesmo que não sejamos capazes de captar todas as lições que estão disponíveis a nossa frente! Como diz a sentença de um dos personagem de Shakespeare, " melhor um tolo espirituoso do que um espírito tolo." 

Um comentário:

Mari Reis disse...

Se pudesse resumir essa peça em uma palavra... Apaixonante! Excelente texto Francisco.