Em 1897 foi comemorado o Jubileu de Diamante da Rainha Victoria. Esta foi a data que marcou o auge do Império Britânico, aquele que não presenciava jamais o pôr do sol. Fosse Sherlock Holmes um personagem real certamente estaria entre os convidados nobres da Rainha Victoria e seu Consorte Albert. O personagem criado por Sir Arthur Conan Doyle (1859-1930) simboliza como poucos a personalidade arquetípica do inglês. Holmes é amálgama de qualidades e defeitos fascinantes: arrogância, inteligência, perspicácia, intolerância, preconceito, sabedoria, frieza, humanidade, beleza, pragmatismo e assim vai. Um Império como o Britânico tinha tudo isto ao mesmo tempo. Sherlock Holmes simbolizava-o com destreza. Além disto, sobrava-lhe elegância, apesar de ser um boxer arrojado. Do meu ponto de vista, Holmes é um personagem mais provocador que o espetacular Hercule Poirot criação da escritora mais lida do mundo, Agatha Christie.
Guy Ritchie (Diretor), Michael Robert Johnson e Anthony Peckham (ambos roteiristas) conseguiram construir um Sherlock Holmes (2009, EUA, com Robert Downey Jr., Jude Law e Rachel McAdams) que mais parece um artista circense. Sua vitalidade física supera em muito a sutileza intelectual do personagem de Doyle. O que parece é que Ritchie e os roteiristas construíram o filme como se fosse uma história de quadrinhos onde o reducionismo da “fala” se justifica em função da estética visual. Ocorre que nos quadrinhos a caricatura é tudo. Num personagem como Sherlock Holmes a caricatura não sobrevive perante a “verdadeira” personagem de Sir Arthur Doyle. O que sobra é um volume gigantesco de estética (e tecnologia) sobre quase nada de personagem. E verdade seja dita: chega a ser um milagre que Robert Dowley Jr. e Jude Law tenham sobrevivido à desastrosa direção de Guy Ritchie. Ambos os atores estão impecáveis perante a proposta a qual se avizinharam.
O espectador fica o tempo inteiro com a sensação de que falta algo na estória. Afinal, esta resvala para uma pobreza de argumento e de diálogo. Todavia, o que falta mesmo é o personagem central. Ele não tem nem a personalidade do “velho” Holmes e, ao longo do filme, desfila uma série de personalidades que formam um mosaico que não forma figura. Ou seja: Sherlock Holmes está mais para Macunaíma, aquele que não tem caráter. O que lhe sobra é vigor físico e presumidas cenas de ciúmes em relação ao seu companheiro Doctor Watson. (Coitado de Watson: nada lhe é elementar, ele vaga no filme procurando se enquadrar em algo que é útil ao distinto espectador. Elementar é o próprio).
Não escrevo isto tudo apenas por se um fã da personalidade intrigante de Holmes, autêntico filho de Doyle. É possível se fazer “releituras” interessantes sobre quase tudo, mesmo que esta atividade esteja cada vez mais cansativa para os “leitores”. Contudo, o que foi feito de Sherlock Holmes neste caso foi uma tragédia no lugar de um romance policial. Coisa tão trágica que ao final dá vontade de rir da própria falta de sorte de ter ido ao cinema. Se ainda fosse Holmes um trapezista a coisa toda podia funcionar num circo ou numa festa de Bodas de Diamantes de George W. Bush. Afinal, nem Holmes, nem o Império Britânico são mais os mesmos...
domingo, 17 de janeiro de 2010
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Um comentário:
Sem dúvida um roteiro infeliz, meu caro Watson
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