terça-feira, 15 de dezembro de 2009

500 Dias com Ela: Um Filme e Uma Era.

500 dias com Ela (500 days of summer - EUA, 2009 com Joseph Gordon-Levitt, Zooey Deschanel, Geoffrey Arend, Matthew Gray Gubler). Eis um filme, dirigido pelo estreante Marc Weber, que parece desprovido de pretensão, mas que acaba por levar a audiência a refletir sobre as variáveis e os valores do comportamento amoroso nos dias que estamos a viver. De um lado, temos Tom (personagem de Joseph Gordon-Levitt) fragilizado diante do amor por Summer (vivido pela delicada e sexy Zooey Deschanel). Tom não vê acolhida à necessidade do carinho e à ambição de um “compromisso de amor”. Summer deseja, planeja e age em prol de um relacionamento que, mesmo não sendo efêmero – de vez que se sustenta por 500 dias –, seja algo superficial e impossível de ser propagado pelo tempo. Summer luta para que não haja enlace, senão sexual ou das coisas cotidianas que possam ou pareçam ser prazerosas. A superficialidade do relacionamento não “acontece”, ela é provocada, desejada, ambicionada e cuidadosamente cuidada por ela. Tom se retorce de dor, seja pelo desejo ardente de que ela se torne uma namorada “presente”, aquela que faz planos e tece os dias para que estes se tornem anos. Os 500 dias que Tom vive são de verdadeiro vazio existencial e de “recheios” materiais. Para Summer, os 500 dias são uma dedicada busca pelo mesmo vazio (res)sentido por Tom, pelo relativo e pelo descompromisso.

Tom e Summer são, de fato, representações de uma era. Fosse noutro tempo, seria a mocinha morrendo de angústia pelo desejado mocinho. Agora, são os homens possuídos de incompletude e sob o risco da solidão e do abandono, mesmo que estejam a viver um relacionamento. A inviabilidade de construir algo, digamos, amoroso não retira o ranger de dentes do amante perante sua indiferente amada. Ela pode lhe servir para o cotidiano, mas não lhe serve para o viver. Doce ironia vive o primeiro sexo enquanto o segundo parece querer se divertir. Summer não é a beleza da vida. É o caráter estóico e epicurista do mundo pós-moderno ou pós-feminista. Como no verso de 1914 de Ricardo Reis em Fernando Pessoa:


“Vem sentar-se comigo, Lídia, à beira do rio.
Sossegadamente fitemos o seu curso e aprendamos
Que a vida passa, e não estamos de mãos enlaçadas.” [315]

Não vou pregar a libertação do homem (macho) no que tange aos seus ardentes desejos amorosos. Nem o filme pretende isto. Ao contrário. O diretor Weber entrega tudo de início: mostra como acaba o filme nas primeiras cenas. Sob o som de uma magnífica trilha sonora (que vale a pena ser adquirida), a paisagem e o cenário do filme são obscuros como obscuro é aquele desejo incompleto de Tom. Daí em diante, reconstrói o ceticismo dos relacionamentos, a implacidez da alma perante a plácida face da amada e o fatídico dia em que, ao final do filme, Tom pode ressurgir das cinzas (será?). Não há redenção do macho. Apenas o desejo de um pouquinho de amor e esperança.
Os homens já estiveram melhores na vida e no cinema - afinal, a vida imita a arte e vice-versa. Isto não implicou em dias melhores para as mulheres...

2 comentários:

Anônimo disse...

Homens sabem o que querem. Mulheres não sabem nem o que não querem. Análise perfeita do filme. Abração.
Átila

Mari Reis disse...

Pensei bastante ontem sobre a nossa conversa a respeito do filme e lendo agora sua análise, na minha opinião, essa relação evidencia uma tendência que vai além do feminismo, das obrigações da mulher moderna e do retrato do homem que está se adaptando a todas essas mudanças. Tom poderia ser Summer e vice-versa.
A cultura do "EU" nunca foi tão presente quanto agora. Nossa geração é cobrada cada vez mais por um brilhantismo profissional e pessoal que a disputa por um espaço se tornou prioridade e não mais as relações em si. Temos qualquer tipo de produto a nossa disposicão para manter essa vida. Desde apartamentos projetados especialmente para solteiros, comidas frescas e embaladas em pequenas porções, viagens, festas , enfim, existe uma glamurização em cima desse tema.
Summer nada mais é do que o espelho do que estamos nos tornando.Pessoas cada vez mais individualistas e insaciáveis. Por que lutar e se esforçar por alguma coisa se a vida é cheia de opcões cada vez mais tentadoras?
Pois é, vivo me perguntando : mas será que são tão tentadoras assim?