terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Pannetone: Receita Histórica

É por demais arriscada a tarefa de empreender uma receita datada do século XI. O pannetone está para mim como uma espécie de mitologia gastronômica no que tange à sua execução, mesmo que este mito se corrompa na gula de comê-lo lentamente e continuamente.
Os milaneses são conhecidos pela prática dos vocábulos expressos em diminutivos e aumentativos. Esta lingüística reforça a idéia do tamanho das especialidades da Lombardia, mas não diz nada sobre o como fazer esta iguaria saída dos fornos.
Trata-se de um pão de Natal, de cuja altura despenca uma mistura saborosa da massa levedada adornada pelas passas e frutas cristalizadas. Se fosse uma jóia seria uma grande pérola, revestida por pedras preciosas de várias espécies. Parece singelo, mas é sofisticado este (grande) pão. Em cada fôrma de papel soma-se a massa (em pouca quantidade) que sobe muito sob o fogo uterino do forno. Nunca se retira o papel do pannetone. É ele que garante aquela umidade da qual exala um perfume raro.
Outra coisa notória do pannetone é o seu caráter, digamos, “sociológico”. Em Milão, era o presente na medida a marcar a relação do padrone para com os seus empregados. Das fábricas, saíam (e ainda saem), os empregados felizes a carregar aquele pão doado pelo capitalista em dia de generosidade para ser consumido em casa. Não há luta de classes, no caso. Apenas a delícia de viver. Vale até um discreto sorrisso do padrone.
Gosto muito de comer o pannetone acompanhado de moscatel. Acredito que aí temos a junção feliz e sem contrastes entre dois doces. Nada mais harmônico. Tão harmônico que não mereceria muitos comentários dos chefs que estão a desfilar suas receitas pelas TVs a cabo do mundo inteiro. A coisa fala per se. Entendem?
Outra coisa que deveria ser professada e ardentemente seguida pelos fiéis é a forma de comer. Parece elegante cortar o pannetone. (As aparências enganam). Todavia, é correto e muito mais saboroso ir desfiando as suas partes sem faca. Trata-se de um exercício prazeroso, mesmo que secundário – conversar e beber o moscatel (ou outro espumante) são as tarefas principais.
Beber (ou comer) na “fonte d´água” é sempre preferível. O pannetone mais saboroso e original sai dos fornos da Marchesi , pasticeria de Milão (ou Milano, se preferirem os puristas). Todavia, por estes Tristes Trópicos há um lugar que produz um pannetone tão delicioso quanto aquele milanese. Trata-se do pannetone produzido pelo meu querido amigo Massimo Ferrari. Ele que tocava o Ristorante Massimo agora tem um canto saboroso na Vila Olímpia em São Paulo. Trata-se da Rotisserie Felice e Maria (R. Helion Póvoa, 65 - Vila Olímpia - Oeste. Telefone: 3849-2504). Ali, entre tantas preciosidades, reina um pannetone saborossímo. Daqueles que cria uma inquietação íntima entre a vontade de comer e a necessidade de guardar, mesmo que um pouco, para depois.
Não sei e não saberia escrever a receita de um pannetone. O sabor deste pão tem algo divino que não compreendemos, mas sabemos que a ele devotamos certa dose de amor.

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